Gravações de 2023 e de 2024 são apresentadas como se fossem atuais e ao lado de legendas que relacionam o conteúdo à atual alta de preços. Especialistas explicam que ações pontuais não poderiam elevar o custo de um produto em todo o país. É #FAKE que vídeos mostrem descarte de alimentos em 2025
Reprodução
Circulam pelas redes sociais, como se fossem recentes, vídeos que mostram cenas de descarte de produtos como cebola, tomate e leite, acompanhados de legendas que relacionam as ações à atual inflação de alimentos no Brasil. É #FAKE.
selo fake
g1
🛑 Por que as legendas estão fora de contexto?
Alguns vídeos já tinham circulado no final do ano passado em postagens com teor semelhante.
Além disso, trata-se de descartes ocorridos apenas em regiões determinadas, como Irecê (BA), e não em todo o país.
Especialistas explicam que situações pontuais não poderiam ter efeito no preço de um produto para todo o país.
“Para impactar o preço nacional, [o descarte] teria que ser massivo e uma conjunção de muitos produtores e muitos produtos”, afirma Aniela Carrara, pesquisadora do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea) da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo (Esalq – USP).
Alimentos como tomate e cebola, que aparecem sendo descartados em vídeos de meados de 2024, terminaram aquele ano com queda nos preços.
O cultivo de hortaliças está centralizado em médios e pequenos produtores e é mais suscetível às variações do clima. Por isso, seus preços também costumam variar ao longo do ano.
“Quando o produtor descarta, ele não consegue retomar nem o custo que ele teve com a plantação. Significa prejuízo”, completa Carrara.
Em geral, agricultores optam pelo descarte apenas quando o produto não está bom para ser consumido ou não atende às exigências do consumidor, como cor, tamanho ou forma, explica Felippe Serigati, professor e coordenador do mestrado profissional em Agronegócios da Fundação Getúlio Vargas (FGV).
“Isso não vem da vontade do produtor, mas de uma realidade do próprio mercado.”
Leia, abaixo, sobre estes três tópicos:
Leite na estrada
Caminhão de cebola
Tomate para vacas
Leite na estrada
Produtores de leite protestam em Frederico Westphalen
Um dos vídeos divulgados agora mostra produtores jogando leite em uma estrada.
Uma pesquisa pela origem das imagens mostra que o registro original é de um protesto realizado em setembro de 2023, em Frederico Westphalen (RS). Uma reportagem da RBS TV, afiliada da TV Globo, exibida no dia 27 daquele mês mostrou a mesma cena. Na época, produtores de leite reclamavam de importações do produto de países do Mercosul.
A reportagem citou que, segundo a Federação dos Trabalhadores na Agricultura no Rio Grande do Sul (Fetag-RS), as indústrias estavam comprando leite em pó principalmente da Argentina e do Uruguai. E que o preço que o produtor local recebia pelo litro de leite tinha baixado de R$ 2,53, no ano anterior, para R$ 2,17 em 2023.
O preço do leite longa vida terminou aquele ano com queda de 7,83% em relação a 2022, segundo o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), considerado a inflação oficial do país. O produto figurou entre os 50 itens que mais recuaram em 2023.
Caminhão de cebola
Outro vídeo exibe um caminhão com sacos de cebola sendo abertos e as cebolas, atiradas ao chão.
O narrador da gravação, que não aparece na cena, afirma que “a cebola não presta, não, está toda estourando”e que os clientes estavam devolvendo as que foram vendidas, por isso elas estavam sendo jogadas no mato. “Maquinei, botei outra sacaria, mas não adiantou”, diz o homem. Ele acrescenta que o alimento “vem de Irecê [BA]”, mas não menciona a data do registro.
A postagem mais antiga encontrada com este vídeo é de 11 de novembro de 2024, no Instagram.
Em um outro vídeo que mostra cebolas no chão, um homem aparece dizendo que está na região de Irecê e que adata é 13 de novembro de 2024.
Uma reportagem do Globo Rural exibida uma semana depois informou que 17 mil sacos de cebola foram descartados em uma roça de João Dourado, na região de Irecê, no início daquele mês.
Agricultores do norte da Bahia jogam fora sacas de cebola
O produtor José Carlos Gomes, entrevistado para a reportagem, disse que houve uma chuva muito forte da região e que isso afetou a qualidade da cebola.
Foi explicado ainda que os descartes também aconteceram por conta dos preços baixos. Gomes afirmou que havia excesso de oferta de cebola no segundo semestre daquele ano no estado.
Segundo o IPCA, o preço da cebola caiu 35,3% em 2024. O produto chegou a apresentar alta em alguns meses no início daquele ano, devido às chuvas no sul do país. Mas a estiagem posterior contribuiu para uma produtividade alta e, consequentemente, preços mais baixos ao consumidor.
Em 7 de novembro de 2024, o governo federal publicou no Diário Oficial da União a inclusão da cebola produzida na Bahia na lista de produtos que contariam com o bônus de desconto no Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf).
A medida valeu até o início de dezembro e incluiu outros alimentos de diversos estados, como banana, mel, trigo e castanha de caju. O tomate também apareceu na lista, contemplando produtores de quatro estados: Bahia, Piauí, Sergipe e Rio de Janeiro.
Tomate para vacas
Outro vídeo que viralizou recentemente mostra tomates sendo servidos de alimento para vacas. O post mais antigo encontrado com essas imagens, no Tiktok, é de 28 de junho de 2024. Em outra postagem com o mesmo vídeo, de 3 de julho de 2024, ouve-se um homem dizendo que “está indo tudo para as vacas” porque “não vende”, tem “preço ruim”.
O preço do tomate fechou 2024 com queda de 25,8%, segundo o IPCA. Em uma trajetória parecida com a da cebola, houve inflação no primeiro semestre e queda depois.
“Devido aos preços abaixo dos custos de produção desde meados de junho, e sobretudo aos níveis mais baixos que atingiram nos últimos dias, começou a ter descarte de parte da produção [do tomate]”, informou o boletim “Hortifrúti Cepea” de setembro de 2024.
O sobe e desce de preços é um cenário comum da produção de alimentos como a cebola e o tomate, e hortaliças em geral, que são bastante influenciados pelo clima, explicou João Paulo Deleo, também do Cepea, ao g1, em dezembro.
A subida de preço de um único cultivo não é considerada uma inflação da categoria alimentos, diz Aniela Carrara, do Cepea. Ela acrescenta que a inflação é o aumento contínuo e generalizado do preço.
O descarte de tomates já tinha sido tema de uma reportagem do Jornal Nacional de janeiro de 2017, que mostrou uma lavoura sendo destruída no Paraná (assista abaixo). Na época, também havia mais produto do que o mercado conseguia absorver.
Agricultores jogam tomate fora: produção aumentou e preço desabou (reportagem exibida em janeiro de 2017)
Entrevistado na reportagem, o então diretor do Departamento de Economia Rural (Deral), Francisco Simioni, disse que o custo de colher o alimento e levá-lo até os centros de comercialização “acaba ficando muito caro” – por esse motivo, o descarte acontecia já na lavoura.
No início da da pandemia de Covid, muitos produtores se viram sem ter como escoar os alimentos. Programas de doação surgiram naquele momento, alguns contando apoio de empresas para cobrir custos.
Em 2021, o g1 entrevistou Simone Silotti, fundadora da iniciativa Faça um bem incrível, que reuniu agricultores para doar alimentos em São Paulo. Ela explicou que os custos para para colher, embalar e transportar faziam com que muitos produtores desistissem de partir para alternativas como essa.
O projeto de Silotti começou com uma vaquinha virtual, para que os produtores tivessem alguma renda, e depois atraiu empresas que quiseram colaborar.
É #FAKE que vídeos mostrem descarte de alimentos em 2025
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Circulam pelas redes sociais, como se fossem recentes, vídeos que mostram cenas de descarte de produtos como cebola, tomate e leite, acompanhados de legendas que relacionam as ações à atual inflação de alimentos no Brasil. É #FAKE.
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🛑 Por que as legendas estão fora de contexto?
Alguns vídeos já tinham circulado no final do ano passado em postagens com teor semelhante.
Além disso, trata-se de descartes ocorridos apenas em regiões determinadas, como Irecê (BA), e não em todo o país.
Especialistas explicam que situações pontuais não poderiam ter efeito no preço de um produto para todo o país.
“Para impactar o preço nacional, [o descarte] teria que ser massivo e uma conjunção de muitos produtores e muitos produtos”, afirma Aniela Carrara, pesquisadora do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea) da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo (Esalq – USP).
Alimentos como tomate e cebola, que aparecem sendo descartados em vídeos de meados de 2024, terminaram aquele ano com queda nos preços.
O cultivo de hortaliças está centralizado em médios e pequenos produtores e é mais suscetível às variações do clima. Por isso, seus preços também costumam variar ao longo do ano.
“Quando o produtor descarta, ele não consegue retomar nem o custo que ele teve com a plantação. Significa prejuízo”, completa Carrara.
Em geral, agricultores optam pelo descarte apenas quando o produto não está bom para ser consumido ou não atende às exigências do consumidor, como cor, tamanho ou forma, explica Felippe Serigati, professor e coordenador do mestrado profissional em Agronegócios da Fundação Getúlio Vargas (FGV).
“Isso não vem da vontade do produtor, mas de uma realidade do próprio mercado.”
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Leite na estrada
Caminhão de cebola
Tomate para vacas
Leite na estrada
Produtores de leite protestam em Frederico Westphalen
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Uma pesquisa pela origem das imagens mostra que o registro original é de um protesto realizado em setembro de 2023, em Frederico Westphalen (RS). Uma reportagem da RBS TV, afiliada da TV Globo, exibida no dia 27 daquele mês mostrou a mesma cena. Na época, produtores de leite reclamavam de importações do produto de países do Mercosul.
A reportagem citou que, segundo a Federação dos Trabalhadores na Agricultura no Rio Grande do Sul (Fetag-RS), as indústrias estavam comprando leite em pó principalmente da Argentina e do Uruguai. E que o preço que o produtor local recebia pelo litro de leite tinha baixado de R$ 2,53, no ano anterior, para R$ 2,17 em 2023.
O preço do leite longa vida terminou aquele ano com queda de 7,83% em relação a 2022, segundo o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), considerado a inflação oficial do país. O produto figurou entre os 50 itens que mais recuaram em 2023.
Caminhão de cebola
Outro vídeo exibe um caminhão com sacos de cebola sendo abertos e as cebolas, atiradas ao chão.
O narrador da gravação, que não aparece na cena, afirma que “a cebola não presta, não, está toda estourando”e que os clientes estavam devolvendo as que foram vendidas, por isso elas estavam sendo jogadas no mato. “Maquinei, botei outra sacaria, mas não adiantou”, diz o homem. Ele acrescenta que o alimento “vem de Irecê [BA]”, mas não menciona a data do registro.
A postagem mais antiga encontrada com este vídeo é de 11 de novembro de 2024, no Instagram.
Em um outro vídeo que mostra cebolas no chão, um homem aparece dizendo que está na região de Irecê e que adata é 13 de novembro de 2024.
Uma reportagem do Globo Rural exibida uma semana depois informou que 17 mil sacos de cebola foram descartados em uma roça de João Dourado, na região de Irecê, no início daquele mês.
Agricultores do norte da Bahia jogam fora sacas de cebola
O produtor José Carlos Gomes, entrevistado para a reportagem, disse que houve uma chuva muito forte da região e que isso afetou a qualidade da cebola.
Foi explicado ainda que os descartes também aconteceram por conta dos preços baixos. Gomes afirmou que havia excesso de oferta de cebola no segundo semestre daquele ano no estado.
Segundo o IPCA, o preço da cebola caiu 35,3% em 2024. O produto chegou a apresentar alta em alguns meses no início daquele ano, devido às chuvas no sul do país. Mas a estiagem posterior contribuiu para uma produtividade alta e, consequentemente, preços mais baixos ao consumidor.
Em 7 de novembro de 2024, o governo federal publicou no Diário Oficial da União a inclusão da cebola produzida na Bahia na lista de produtos que contariam com o bônus de desconto no Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf).
A medida valeu até o início de dezembro e incluiu outros alimentos de diversos estados, como banana, mel, trigo e castanha de caju. O tomate também apareceu na lista, contemplando produtores de quatro estados: Bahia, Piauí, Sergipe e Rio de Janeiro.
Tomate para vacas
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O preço do tomate fechou 2024 com queda de 25,8%, segundo o IPCA. Em uma trajetória parecida com a da cebola, houve inflação no primeiro semestre e queda depois.
“Devido aos preços abaixo dos custos de produção desde meados de junho, e sobretudo aos níveis mais baixos que atingiram nos últimos dias, começou a ter descarte de parte da produção [do tomate]”, informou o boletim “Hortifrúti Cepea” de setembro de 2024.
O sobe e desce de preços é um cenário comum da produção de alimentos como a cebola e o tomate, e hortaliças em geral, que são bastante influenciados pelo clima, explicou João Paulo Deleo, também do Cepea, ao g1, em dezembro.
A subida de preço de um único cultivo não é considerada uma inflação da categoria alimentos, diz Aniela Carrara, do Cepea. Ela acrescenta que a inflação é o aumento contínuo e generalizado do preço.
O descarte de tomates já tinha sido tema de uma reportagem do Jornal Nacional de janeiro de 2017, que mostrou uma lavoura sendo destruída no Paraná (assista abaixo). Na época, também havia mais produto do que o mercado conseguia absorver.
Agricultores jogam tomate fora: produção aumentou e preço desabou (reportagem exibida em janeiro de 2017)
Entrevistado na reportagem, o então diretor do Departamento de Economia Rural (Deral), Francisco Simioni, disse que o custo de colher o alimento e levá-lo até os centros de comercialização “acaba ficando muito caro” – por esse motivo, o descarte acontecia já na lavoura.
No início da da pandemia de Covid, muitos produtores se viram sem ter como escoar os alimentos. Programas de doação surgiram naquele momento, alguns contando apoio de empresas para cobrir custos.
Em 2021, o g1 entrevistou Simone Silotti, fundadora da iniciativa Faça um bem incrível, que reuniu agricultores para doar alimentos em São Paulo. Ela explicou que os custos para para colher, embalar e transportar faziam com que muitos produtores desistissem de partir para alternativas como essa.
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