Projetos na região do Vale do Jequitinhonha, em Minas Gerais, estão resgatando saberes tradicionais de comunidades de agricultoras, como o bordado, a tecelagem e a poesia.
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E, muitas vezes, essas iniciativas têm o intuito de manter as agricultoras em suas terras, evitando a migração delas para outros estados, em épocas de grande seca na região.
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“As nossas ações fortalecem as pessoas para elas encontrarem valor no que sabem e no que fazem aqui na região. Então, a gente acredita que o nosso trabalho é uma grande contribuição para que essas pessoas possam permanecer no seu lugar, com seus saberes”, diz Elisângela Lopes, coordenadora geral da Associação Jenipapense de Assistência à Infância (Ajenai).
Um dos projetos que a ONG impulsiona, atualmente, é o das Tecelãs de Tocoiós. O grupo, composto por 30 mulheres que moram nas montanhas de Francisco Badaró, se reúne em torno desse conhecimento tradicional e suas peças originais já são cobiçadas no Brasil inteiro.
“É uma tradição. Passada por geração por geração. Eu aprendi com a minha vó e minhas tias desde a idade de sete anos”, diz a agricultora Maria Silva.
Ela conta que, antigamente, as peças eram feitas para o uso da própria família. “Roupa de cama, banho, mesa. E pra vestir calça, camisa, todo mundo usava era isso mesmo”, diz.
Peças únicas
Do momento em que o algodão orgânico e bruto chega na tecelagem das mulheres de Tocoiós, até se tornar uma rede, por exemplo, são, pelo menos, 30 dias.
Hoje, já existem máquinas que fazem todo o processo. Mas é justamente o trabalho manual, a tradição passada de mãe para filha, que faz com as peças sejam únicas.
A tecelã Jaquiele Sousa é a mais nova tecelã do grupo. Ela tem um ‘pezinho’ na tradição e mãos na modernidade e é a pessoa responsável pelos anúncios e fotos de divulgação das peças nas redes sociais.
“A gente fica feliz em cada mensagem que a gente recebe, de alegria das pessoas de receber uma peça feita pela gente”, diz Jaquiele.
Mas, além de elogios, as peças geram renda para as tecelãs. Cada uma delas é vendida, em média, por R$ 400. O dinheiro todo é dividido em partes iguais pelas tecelãs.
“[O projeto] nos incentivou a continuar, a não desanimar, porque o pessoal daqui não dá muito valor a esse trabalho. Mas, depois que vieram outras pessoas de fora, nos incentivou. Aí a gente faz com mais gosto o trabalho”, diz a agricultora Maria Vieira.
Coral Ribeirão de Areia
Um outro projeto da Ajenai é o Coral Ribeirão de Areia, da Comunidade Rural de Jenipapo de Minas, no Vale do Jequitinhonha. Ele foi criado há nove anos por uma ONG que atua na região, e já tem 25 vozes, entre crianças, jovens, adultos e idosos.
“Trazer música, resgatar valores, uma nova forma de ver o mundo para as pessoas”, diz o maestro Dener Pinheiro sobre a iniciativa.
A música fez o grupo sair pela primeira vez da comunidade. O coral já se apresentou em dez cidades, entre elas as capitais de Belo Horizonte e São Paulo.
“Até quando a gente já foi a algumas viagens, muitas pessoas tiravam sarro da cara da gente. Só que ao invés da gente levar isso para o lado negativo, levou isso para o lado positivo, de ter mais força com a nossa cultura, mesmo para não deixar os outros debochar”, conta a agricultora Kátia Ferreira.
O grupo gravou um CD em 2015 com 11 músicas regionais, que é vendido na internet por R$ 20, recurso que ajuda a manter o projeto.
Bordado
A mesma ONG impulsiona ainda o projeto Bordadeiras do Curtume, que fica também em Jenipapo de Minas, na Comunidade Quilombola do Curtume.
São 22 bordadeiras e 12 aprendizes. Elas confeccionam estandartes para decoração. Quem cria os desenhos é o Diogo Guimarães, filho de uma das bordadeiras.
“Desde pequeno eu gostava de desenhar. Aí eu comecei fazer uns desenhos que eu fui pegando gosto para desenhar”, diz Diogo. A inspiração dele vem do dia a dia da comunidade.
As bordadeiras se reúnem uma vez por semana na sombra de um enorme Acari. Lá, elas cortam, costuram e bordam os estandartes, que também são vendidos pela internet.
Os preços variam entre R$ 250 a R$ 400 e o trabalho faz sucesso, sendo que já foram comercializados mais de 1 mil estandartes para todo o Brasil.
“Vem muito retorno de mensagens elogiando demais o trabalho. A gente vê áudios muito emocionantes para gente tentar fazer esse trabalho que, às vezes, a gente nem valoriza tanto. Mas quando a gente vê assim o coração fica muito feliz”, conta a agricultora Silvana Guimarães.
Nos últimos três meses, ela conseguiu ganhar R$ 2 mil com o bordado, um dinheiro bem-vindo para quem antes só sustentava da roça.
Versinhos de bem-querer
Outra tradição em todo o Vale do Jequitinhona é o versinho de bem-querer, uma espécie de desafio do bem, uma brincadeira, onde há um refrão em comum e o improviso das rimas.
Para não deixar essa tradição morrer, a Ajenai criou um site para vender os versinhos.
“A pessoa compra o verso, logo em seguida nos encaminhamos um e-mail solicitando o nome da pessoa que ela quer enviar o verso, e a frase que descreve essa pessoa. Nós recebemos esse e-mail e encaminhamos para as jogadoras de verso. Elas criam o verso, me encaminham, e eu encaminho para a pessoa que encomendou esse versinho”, explica a coordenadora de projetos, Viviane Silva.
Tudo é feito pelo celular, já que o Vale conta com internet via rádio. E cada verso custa R$ 26.
“Eu fico tentando imaginar como que é a pessoa e a reação dele quando ela for receber o verso”, diz a agricultora Karen Ferreira.
“É um projeto extremamente delicado. Um projeto artesanal. Então, o tempo todo, nós estamos cuidando desse projeto, cuidando das mulheres, cuidando dessa energia do projeto, pra gente manter essa fidelidade que é a essência dele”, conclui Viviane.
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