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Golpista das férias: o agente de luxo acusado de embolsar R$ 1,5 milhão de clientes

A BBC encontrou 70 pessoas que dizem ter sido vítimas de golpe após investigar denúncias contra Rafael Bessa por quase um ano. Brasileiros dizem ter sido enganados por agente de viagens
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O agente de viagens Rafael Bessa fez em maio um jantar para apresentar a clientes as novidades do verão europeu.
Gente da alta sociedade, personalidades e influencers foram recebidos em um luxuoso salão em um bairro nobre de Belo Horizonte. No cardápio, massa fresca, filé mignon, camarão, lagosta e canoles de pistache — tudo hamornizado com vinhos e espumantes.
“O evento foi maravilhoso”, diz a joalheira Ana Jalenna.
“Tinha mais pessoas do que eu esperava, pessoas que não vão quase a nenhum lugar, mas foram naquele evento. A gente estava lá, comendo, bebendo, se divertindo”, acrescenta.
“Mas a gente não sabia que ele já estava dando golpe em alguns de nós.”
Ela começou a desconfiar no dia seguinte, quando uma amiga ligou contando que tinha comprado uma viagem com o agente, mas que os hotéis diziam não ter reservas em seu nome.
Ana já tinha passado momentos “maravilhosos” em um hotel no Ceará em uma viagem organizada por Rafael Bessa e decidiu comprar mais duas viagens com o agente. Uma para um resort de ski nos Alpes franceses, e outra para o sul da Itália. Pagou parte em dinheiro e colocou o resto no cartão de crédito.
A primeira viagem de Ana Jalenna com Rafael Bessa foi ‘fantástica’ – mas a segunda não.
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Ana conta que Bessa pediu para enviar os vouchers dos hotéis “mais para frente” porque ainda faltavam alguns meses para a viagem. Ela concordou — e por isso não tinha nenhum dos comprovantes das reservas quando recebeu o telefonema da amiga.
“Eu pensei: ‘Ai, meu deus! Vou começar a pedir as confirmações agora!'”, diz Ana.
Ela cobrou Bessa e, algum tempo depois, estranhou ao ver na conta do seu cartão, cujos detalhes ela havia compartilhado com o agente, uma compra de passagens aéreas na British Airways no valor de R$ 4,5 mil.
Bessa alegou que se tratava do pagamento do hotel na Itália e que a cobrança aparecia assim porque ele tinha usado uma plataforma para agentes de viagem.
Ana desconfiou e escreveu para o hotel, que respondeu que a reserva estava feita, mas não paga. Ela cancelou a compra no cartão e conseguiu pelo menos essa quantia de volta.
Ana também entrou em contato com o hotel na França e descobriu que o número da reserva que Bessa tinha passado não existia. O agente enviou um voucher, mas o hotel informou a Ana que o pagamento pelos quartos — cerca de R$ 16 mil — ainda não havia sido feito.
Ana esteve em um jantar organizado por Rafael Bessa para seus clientes.
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Em uma mensagem de áudio para Ana, Bessa garantiu: “Pode ficar tranquila, você não vai perder nada da viagem. Eu já liguei para eles e ainda precisa dar baixa [no pagamento], mas pode ficar super tranquila que você não vai ter nenhum tipo de dissabor”.
Ana diz que Rafael Bessa nunca enviou a confirmação da reserva. “Eu perdi o dinheiro, a viagem, o sonho. Eu perdi tudo.”
Rafael Bessa não aceitou ser entrevistado, mas insistiu por email à BBC News Brasil que reservou o hotel na Itália para Ana e que a reembolsou pelo hotel na França depois que ela supostamente decidiu cancelar a viagem.
Mas Ana diz que não cancelou a viagem. Em mensagens trocadas com o agente e compartilhadas com a reportagem, ela falou para Bessa que queria prosseguir apesar de tudo. Ana diz que nunca recebeu o dinheiro de volta.
A BBC News Brasil encontrou, após investigar Rafael Bessa por quase um ano, cerca de 70 pessoas que, assim como Ana, dizem terem sido enganadas por ele.
O número de golpes de viagem pela internet aumentaram muito em todo o mundo desde a pandemia, diz a Organização das Nações Unidas, e se tornaram problema “sistêmico e global”.
A maioria dos clientes que acusam Bessa são mulheres de boa condição financeira que o contrataram para organizar suas viagem. Dizem ter pagado antecipadamente por passagens de avião e reservas de hotéis que não foram de fato pagas pelo agente.
Em outros casos, donos de hotéis ou agências afirmam que o contrataram para prestação de diferentes serviços em relações que frequentemente acabaram mal.
Os clientes ouvidos pela BBC News Brasil dizem ter sofrido prejuízos que variam entre R$ 3 mil e R$ 200 mil reais. Os casos ocorreram nos últimos cinco anos. Os mais recentes foram há poucos meses.
Ao todo, os clientes de Rafael Bessa afirmam que ele teria recebido cerca de R$ 1,5 milhão por serviços de viagem que ele não entregou. Vários dizem já tê-lo denunciado à polícia.
O agente de viagens também foi alvo de ao menos seis ações na Justiça em que enfrenta acusações semelhantes. Em quatro, o juiz mandou ele devolver o dinheiro aos clientes.
Dezenas de clientes de Rafael Bessa o acusam de praticar golpes.
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Em uma das decisões contra ele, a juíza afirmou que o agente de viagens agiu de má-fé e “faltou com a verdade a todo momento”. Dois processos ainda estão correndo. Bessa nega as acusações.
Ele ganhou uma outra ação, que ele próprio moveu contra um cliente que cancelou parte do pagamento, após essa pessoa não se manifestar de nenhuma forma no processo.
Um grupo de 50 pessoas também se prepara para processá-lo, mas o advogado que os representa disse que ainda não entrou na Justiça “porque novas vítimas não param de surgir”.
Rafael Bessa negou todas as acusações e disse à BBC News Brasil estar “chocado” e “surpreso com a quantidade de erros”: “90% dos seus fatos são falsos”, afirmou por email.
Bessa também pediu à reportagem para procurar seus advogados, mas o escritório de advocacia sediado em Londres e indicado por ele disse que não o representa.
A BBC News Brasil pediu para Bessa esclarecer esse e outros pontos, mas o agente de viagens não respondeu mais às mensagens da equipe de reportagem.
A agência de viagens de Rafael Bessa — a Rafael Bessa Signature Travel — vende viagens de luxo para destinos exclusivos, com hotéis estrelados e passagens de primeira classe.
Ele é com frequência descrito por seus clientes como alguém inteligente e educado, bem relacionado, uma pessoa viajada que conhece o que há de melhor para se fazer e se conhecer mundo afora.
Vários contam que ele os tratava como se fossem amigos. Ele também oferecia com frequência preços mais baratos e dizia que conseguia isso porque conhecia muita gente no mercado.
Bessa organizou algumas viagens muito bem sucedidas para seus clientes, e isso os levou a recomendá-lo para amigos ou a viajar de novo com ele.
Era aí que uma viagem dos sonhos podia virar um pesadelo. E as pessoas que se dizem lesadas nem sempre eram ricas.
Adriane Trofin comprou com Rafael Bessa uma estada de uma semana em um resort da rede Club Med na Grécia para ela e mais 13 amigos e familiares.
Mas, na hora marcada para eles pegarem o transporte do aeroporto de Atenas para o hotel, nenhum veículo apareceu.
Por mensagem, Bessa disse que o encarregado logo chegaria e passou para ela telefones em que ela poderia se informar sobre o assunto. Nenhum funcionou.
Bessa disse então que estava entrando no metrô e que a bateria do celular estava acabando. Ele parou de responder às mensagens de Adriane.
“Ele sumiu por um tempo. A gente sentou, começou a esperar e nada. O tempo foi passando e ninguém ligava para a gente. Eu sei que no total a gente ficou no aeroporto umas seis horas”, conta Adriane.
Adriane e um grupo de mais 13 pessoas descobriram que suas reservas de hotel não existiam ao chegar na Grécia.
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O grupo chamou a atenção de David Doepfer, o gerente de operações do Club Med no aeroporto de Atenas. Ele era o responsável pelo transporte dos hóspedes do hotel, mas o grupo de Adriane não estava na sua lista daquele dia.
David também estranhou as confirmações de reserva que Bessa havia enviado para o grupo porque eram diferentes das que ele costumava ver no dia-a-dia.
“Ele nunca enviou uma confirmação de reserva para eles, e eu sei disso porque eu liguei para o escritório no Rio. Ele nunca pagou pelos quartos”, diz David Doepfer à BBC News Brasil.
Em uma troca de emails internos do Club Med sobre o caso, na qual Adriane foi copiada por engano, um funcionário da rede diz que os documentos teriam sido “manipulados”.
A BBC News Brasil entrou em contato com o Club Med para esclarecer quais teriam sido as alterações, mas a empresa informou por meio de seu departamento jurídico que só se falará sobre o caso na Justiça, se for necessário.
Adriane diz que tentou ligar várias vezes para Bessa enquanto estava no aeroporto, e ele não atendeu. Mas, quando David ligou para o agente de viagens, ele atendeu.
“O Rafael disse para o David que tinha sido um erro do hotel e que ele estava falando com uma pessoa de lá para resolver, mas David respondeu que não tinha ninguém com aquele nome. Ele percebeu que o Rafael estava mentindo”, conta Adriane.
David, que a essa altura tentava ajudar Adriane, insistiu para Bessa reservar um outro hotel em Atenas para o grupo enquanto eles tentavam resolver onde ficariam no resto da semana.
Bessa concordou, mas David diz que, quando ligou para o novo hotel, soube que os quartos não estavam pagos e que o grupo de Adriane é que teria que acertar a conta.
“Eu nunca vi nada parecido na minha vida”, diz David.
Adriane diz que Rafael Bessa prometeu devolver parte do dinheiro que pagou pela viagem, mas que ele nunca fez isso.
BBC
Adriane conta que eles acabaram reservando um outro hotel para passar o resto da semana e que seu marido decidiu arcar com todos os custos. Ele se sentia responsável já que sua esposa havia organizado a viagem para os amigos com o agente.
“Eu não acho isso certo, porque o erro não foi nosso”, diz Adriane.
“Eu fiquei esses setes dias discutindo com o Rafael dia e noite. Em nenhum momento ele deu uma justificativa para o que tinha acontecido”, acrescenta.
“Eu tentei fazer ele devolver pelo menos uma parte do dinheiro, porque, como o outro hotel tinha tudo incluído, a gente tinha levado pouco dinheiro. Ele começou a debochar da gente.”
Em mensagens trocadas com Bessa que Adriane mostrou à BBC News Brasil, ele escreveu: “Eu não entendo, vocês viajam sem dinheiro? Como pode? (…) Na minha família, viajamos com dinheiro. (…) Você e esse seu povo retardado é dose”.
Adriane diz que Bessa prometeu devolver parte do dinheiro, mas nunca fez isso.
Adriane conta que o agente enviou mensagens para amigos do seu marido que haviam viajado com eles para dizer que tudo tinha acontecido porque Adriane não tinha pagado a ele pela viagem. Ela tinha sido a responsável por intermediar algumas das transferências de dinheiro de pessoas do grupo, que viviam em Londres, para Bessa, residente no Brasil.
A experiência a deixou “emocionalmente destruída”, e seu casamento, abalado. “Eu e meu marido brigamos quase todo dia por causa disso”, diz Adriane.
“O Rafael me deixou doente, eu sinto uma tristeza profunda. Era meu sonho fazer essa viagem. Eu sempre tive muitos sonhos, mas agora eu não consigo mais fazer planos.”
Rafael Bessa disse à BBC News Brasil que cancelou a reserva do grupo de Adriane porque ela supostamente não teria pagado a ele. Alegou também que Adriane deve dinheiro a ele por passagens de avião que ela comprou separadamente com Bessa.
Mas Adriane apresentou à reportagem cópias de comprovantes de transferências feitas para o agente que, somadas, cobririam os custos do hotel.
Ela também diz que havia acertado com Bessa que pagaria pelas passagens em parcelas, como eles já tinham feito outras vezes, e que ela estava em dia com ele na data da viagem – e mensagens enviadas por Bessa à BBC News Brasil com cronograma dos pagamentos acertados entre os dois confirmam isso.
Adriane conheceu Rafael pelo Facebook. Ela fez um comentário em uma página sobre viagens, e o agente a adicionou entre seus amigos. Adriane ficou impressionada com o que ele publicava sobre viagens em seus perfis nas redes sociais.
“Era só lugar de alto nível mesmo, eu até falei ‘a gente não tem o dinheiro desse povo’. Ele disse que tinha público para tudo, hotel para todos os gostos. Foi muito convincente, muito.”
Adriane diz Rafael passava a imagem de ser uma pessoa “poderosa”. “Ele dizia que tinha um apartamento em Londres, escritório no Brasil, na Suíça e na Inglaterra. Parecia ser muito rico, bem de vida, de família rica. Ele dizia que tinha um pai poderoso, tinha uma mãe poderosa… todo mundo na casa dele era poderoso.”
Rafael Bessa costuma se apresentar como alguém rico e influente e contar que estudou em internatos na Suíça e no Reino Unido.
O Aiglon se orgulha de oferecer uma educação de excelência em meio aos Alpes suíços. O ano letivo custa no mínimo o equivalente a R$ 390 mil, segundo o Swiss Learning, organização que representa instituições de ensino do país.
O diploma do St. Clares’s, em Oxford, abre as portas de algumas universidades de maior prestígio do mundo para seus estudantes. Os alunos pagam ao menos R$ 285 mil por ano para estudar lá, de acordo com o site da instituição.
Ambos disseram à BBC News Brasil que Rafael Bessa não estudou nestas escolas.
Rafael Bessa diz ter estudado em internatos na Suíça e no Reino Unido, mas as escolas dizem que ele não foi seu aluno.
Divulgação via BBC
As informações sobre a educação de Bessa hoje não constam mais em seu LinkedIn.
Bessa também diz no perfil que tem entre seus clientes o hotel XV Beacon, nos Estados Unidos. Mas a gerência do hotel disse à reportagem que nunca trabalhou com o agente.
A BBC News Brasil também conversou com funcionários de outros dois hotéis de luxo no Brasil que ele afirma ter representado. Eles disseram que hoje só aceitam reservas dele se forem pagas antecipadamente por causa de sua “má reputação”.
Uma ex-funcionária de Bessa, que preferiu se manter anônima, contou que decidiu pedir demissão ao perceber que o agente de viagens “estava se enrolando”.
“Uma hora, o cartão de crédito não passava. Aí, depois, passava. Caí de paraquedas em um evento, e o buffet veio em cima de mim para cobrar o pagamento. Teve um hotel que passou a não aceitar mais reservas”, diz ela.
“Eu vi que tinha algo errado. Ele estava metendo os pés pelas mãos, se enfiando em furadas. Ele não ia conseguir sustentar isso por muito tempo. Resolvi sair.”
Ela diz que Bessa era uma pessoa “muito ambiciosa”. “Ele comprava em lojas caríssimas, marcas caríssimas, Gucci, essas coisas. Acho que ele não quis deixar cair o padrão de vida e começou a embolsar o dinheiro pensando que ia ganhar mais depois, não ganhou e acabou devendo todo mundo.”
Outra pessoa que foi próxima do agente e pediu para não ser identificada, diz que Bessa viria de uma família rica que teria perdido tudo.
Bessa gostava mesmo de “luxar”, disse. “Esse era o bordão dele: ‘Eu gosto de luxar!'”.
As redes sociais foram uma vitrine para os serviços oferecidos por Rafael Bessa.
BBC
As redes sociais de Rafael Bessa mostram um pouco da sua vida de luxo e viagens pelo mundo – e também são a vitrine da sua agência. Foi por meio de páginas e perfis nessas redes que ele entrou em contato com muitos clientes.
Um dos principais foi um grupo do Facebook chamado Agenda Black, de onde ele acabou expulso depois de ser acusado de dar golpes.
Os membros da Agenda Black são em sua maioria mulheres da alta sociedade de São Paulo. O objetivo é trocar dicas de bons serviços e produtos. De bolos e costureiras a restaurantes, médicos e… serviços de viagens.
“Ela era bastante ativo no grupo, dava muitas dicas. Isso chamou minha atenção, porque nunca tinha visto esse cara”, diz Titina Bilton, uma das criadoras da Agenda Black, à BBC News Brasil.
Ela conta que, em meados de 2019, recebeu uma mensagem de uma pessoa que disse ter levado um golpe de Bessa. Depois chegaram mais duas denúncias.
“Eram pessoas não tinham ligação entre si, e as reclamações eram muito parecidas, com valores muito altos. Tomei um susto. Achei melhor excluir ele”, diz Titina.
Organização Mundial de Turismo da ONU (UNWTO, na sigla em inglês) diz que as redes sociais estão sendo cada vez mais usadas por agentes de viagens para convencer clientes a comprar as férias dos sonhos.
“Como estão sendo exibidos nas mídias sociais, os turistas podem ter a percepção de que esses serviços são mais confiáveis do que se os encontrassem em qualquer site comum”, diz Alicia Gomez, assessora jurídica da UNWTO.
A Meta, dona do Instagram e do Facebook, disse à BBC que não permite “atividades fraudulentas” em suas plataformas.
“Investimos aproximadamente US$ 5 bilhões só no ano passado em segurança e proteção e colaboramos estreitamente com as autoridades nas investigações.”
Golpes de viagem digitais estão aumentando desde a pandemia, segundo a ONU.
BBC
Os golpes de viagens digitais estão aumentando em todo o mundo, diz Gomez.
A UNWTO desenvolveu um código para a proteção de turistas e diz que empresas privadas e de mídia social e governos podem fazer mais e melhor juntos.
Sete países assinaram o código até agora, tornando-o parte de sua legislação nacional, e outros estão em processo de fazê-lo. O Brasil é um deles.
“Isso se tornou um problema global e sistêmico. Muitos consumidores e autoridades nacionais estão relatando um aumento nos golpes online, e o número pode ser ainda maior, porque as pessoas não denunciam por causa da vergonha e da culpa que sentem.”
Titina Bilton conta que muitas pessoas a procuraram depois que ela expulsou Bessa do seu grupo no Facebook e contaram ter passado por algo parecido com ele. Ela diz que sabe de várias outras que tiveram algum problema com o agente e preferiram ficar caladas.
“Quando ele é confrontado, ele vira outra pessoa. Fica agressivo, te intimida, diz que vai processar. Você é a maluca, e ele, o correto. Quem não tem problema na Justiça leva um susto e acha melhor não fazer nada.”
Lola (nome fictício) decidiu cobrar Rafael Bessa na Justiça. Ela trabalha como agente de viagens na Espanha e o tinha contratado para representá-la no Brasil. Lola diz que o demitiu depois de perder a confiança em Bessa.
Ela conta que pagou para Bessa inscrevê-la em uma feira de turismo e que ele havia dito que ela poderia participar junto com um hotel da Bahia e rachar o valor do estande. Ficou em R$ 12 mil para cada um.
Mas ela descobriu, pouco antes do evento, que o serviço não havia sido prestado: “O pessoal da feira me disse que não tinha nenhuma inscrição nosso nome. Além disso, disseram que uma agência e um hotel nunca poderiam dividir um estande, porque são serviços diferentes e tinham que ficar em áreas separadas”.
Rafael falou que a feira tinha cometido um erro, diz Lola, e que ele falaria com a organização da feira para resolver tudo. “Mas ele não mandou email nem ligou. Eu pensei: ‘Isso não é erro, é má fé'”, diz. Ela decidiu então processar Bessa.
Lola decidiu processar Rafael Bessa – e o juiz disse que ele ‘faltou com a verdade a todo momento’.
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A juíza responsável pelo caso disse que Bessa tentou “se apropriar de valores para realizar uma inscrição que sequer era possível” e que ele “faltou com a verdade a todo momento”.
Houve “uma quebra total de confiança por parte do réu”, disse a juíza na sentença. “Tal conduta é desconciliada de qualquer atividade profissional que se preze, sendo contrária à boa-fé objetiva que deve nortear as partes em qualquer relação contratual.”
Bessa tem de devolver o dinheiro da feira para Lola, mas ela diz não ter muita esperança. “Mas pelo menos eu fico com a minha consciência de que eu tinha razão.”
Bessa disse à BBC News Brasil que Lola está mentindo, sem entrar em detalhes, e que entrou com uma nova ação contra ela na Justiça, mas não apresentou provas disso, e a sua ex-cliente diz que não tem conhecimento disso.
A reportagem não identificou nenhum novo processo movido por Bessa contra ela.
O advogado Victor Penido Machado também se prepara para processar Rafael Bessa. Ele representa um grupo de cerca de 50 clientes que dizem ter levado um golpe de Bessa.
Há um padrão que se repete várias vezes, diz o advogado. Os clientes chegam aos seus destinos, descobrem que um hotel não foi pago e não conseguem que Bessa os pague de volta.
O advogado Victor Penido Machado representa um grupo de 50 pessoas que dizem ter levado golpes de Rafael Bessa.
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Machado diz que muitos de seus clientes receberam de Bessa comprovantes “falsos” de reservas e transferências de dinheiro.
“Os crimes que podem estar envolvidos são falsificação de documentos e falsidade ideológica”, diz Machado.
O advogado diz que soube de Bessa por meio de dois parentes que tiveram problemas com ele e que muitas pessoas entraram em contato depois disso.
“Ainda não consegui entrar com a ação porque não param de surgir vítimas”, diz Penido.
Um detalhe chamou a atenção do advogado. Muitos dos contratos assinados pelos clientes de Bessa tinham uma cláusula de confidencialidade que previa uma multa pesada se eles falassem publicamente sobre ele. Ou seja, ele prometia pagar parte do dinheiro devido, mas exigia silêncio.
“É uma das cláusulas que ele usa para ameaçar os clientes. Caso eles venham a expor ele no WhatsApp ou em redes sociais, ele diz que a pessoa será processada”, diz Machado.
Maria (nome fictício) começou a postar nas redes sociais de Rafael Bessa dizendo que ele estava devendo dinheiro a ela.
Ela conta que o agente de viagens apagava suas mensagens, mas que ficou incomodado. “Ele disse que ia me processar”, lembra.
Depois de algum tempo, Maria recebeu uma mensagem de uma advogada de Rafael Bessa dizendo que ele aceitaria devolver parte do valor se ela assinasse um contrato com uma cláusula de confidencialidade.
“Era basicamente um cala-boca. Eu falei ‘Não! O cara não me pagou até agora, e aí eu vou assinar um contrato dizendo que eu não vou falar nada e aí ele vai me pagar? Não faz o menor sentido isso'”, diz ela.
Maria havia pagado a Bessa cerca de R$ 110 mil para esquiar nos Alpes com o marido e os filhos, como ela fazia quando era criança.
Todos estavam amando a viagem, mas aí, no check out do terceiro hotel do roteiro, o gerente pediu para ela acertar a conta. Tudo já deveria estar pago.
“Eu comecei a desconfiar, porque ele dizia que tinha estudado naquele país, mas não conseguia falar em francês com o gerente para resolver o problema”, diz Maria.
Maria decidiu fez uma viagem de ski nos Alpes com sua família.
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“Foi uma situação péssima, a gente ali no lobby, com hora para pegar um trem, todo mundo pronto para ir, mala, crianças. Uma saia justa”. Ela e o marido decidiram pagar a conta.
No trem, eles descobriram que só duas passagens eram válidas. As outras duas tinham o mesmo número de compra das primeiras, mas nomes diferentes. Eles compraram mais duas passagens para seguir viagem.
No novo hotel, a mesma situação de antes. “Foi aí que tive certeza que tinha algo errado. Não era incompetência, era de propósito”, diz Maria.
Em mensagens trocadas com Maria e compartilhadas com a reportagem, Bessa se justificou dizendo que o problema seria com os hotéis. Um tinha aceitado reservas demais. Outro tinha funcionários de menos. O departamento financeiro havia feito uma confusão.
“Ele dizia que era um supercliente dos hotéis, que conhecia todo mundo, falava o nome dos gerentes, mas ninguém o conhecia”, conta Maria.
“No último hotel, depois de uma hora e meia esperando ele resolver, a gente desistiu e pagou também. Foi surreal.”
Maria diz que Bessa prometeu que a reembolsaria e enviou vários supostos comprovantes de transferências bancárias, mas que o dinheiro nunca chegou na sua conta.
Rafael Bessa disse à BBC News Brasil que Maria não falou a verdade e disse que houve um “problema”, sem especificar qual, com o preço de um dos hotéis, que não estava incluído no pacote.
Ele também enviou cópias das reservas das passagens de trem – que, como disse Maria, tinham o mesmo número de compra.
“Ele acha que nunca vai ser pego. Ele intimida as pessoas, que têm vergonha de falar que levaram um golpe. E ele usa isso e continua pegando o dinheiro das pessoas e vivendo uma vida glamourosa”, diz Maria.
“Enquanto a gente não falar a respeito e as pessoas continuarem a ser intimidadas, a não ter coragem de trazer à tona o que ele fez, ele vai continuar atuando”, concluiu.
– Este texto foi publicado em https://www.bbc.com/portuguese/brasil-63748079

Fonte:

g1 > Turismo e Viagem

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