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As maravilhas arquitetônicas da milenar ‘Manhattan do deserto’


Construídos com materiais naturais, os arranha-céus iemenitas se adaptam perfeitamente ao clima quente e seco do deserto árabe. A cidade antiga de Saná.
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Atravessar o Bab-al-Yaman, o enorme portão de acesso à antiga cidade murada de Saná, a capital do Iêmen, é como passar por um portal para outro mundo.
Há muitos edifícios altos e esguios amontoados em áreas estreitas que ligam exuberantes hortas de frutas ou verduras a antigos mercados em que ainda são vendidos burros.
Nessa região, há serralheiros remendando enormes chaves de metal que abrem imponentes portas de madeira; um vendedor que oferece atuns em um carrinho e o padeiro local tirando pão fresco de um buraco em chamas no solo.
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Em uma sala minúscula, um camelo caminha em círculos dando impulso a uma pedra de um moinho que esmaga sementes de gergelim.
Mas apesar de todo esse estímulo visual, a arquitetura é, sem dúvidas, o que domina a cena.
Saná está repleta de edifícios que são diferentes do que é possível encontrar em qualquer outro lugar do mundo.
Na rua, a monotonia das paredes de adobe é interrompida apenas por grandes portas de madeira e muitas vezes não há muito para se ver.
No entanto, ao olhar para cima, é possível observar os edifícios esguios, alguns com apenas um ou dois apartamentos por andar, que se elevam como em direção ao céu.
Enquanto os andares inferiores, no nível da rua, não têm janela porque são usados como abrigo para animais ou espaço para trabalho, os apartamentos superiores têm janelas ornamentadas por vitrais ou por delicadas telas de muxarabi, protegendo assim a privacidade das mulheres no interior do imóvel.
No nível da rua, os andares dos edifícios não têm janelas porque essas partes são usadas como abrigos para animais ou como espaços para trabalho
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Edifícios que têm mais de 300 anos
As molduras das janelas e os frisos entre os pisos nesses apartamentos são marcados com um intrincado cal branco para contrastar com o fundo cor de barro.
Muitos desses prédios têm terraços em suas coberturas, usados como espaços de entretenimento, assim como quartos ao ar livre para as noites quentes.
A imponência dos edifícios e a praticidade deles criam um panorama arquitetônico inspirador.
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Dos becos é praticamente impossível apreciar a verdadeira altura desses edifícios. Mas no mercado é possível ver que alguns possuem até sete andares.
Em um terraço de um prédio de sétimo andar, que se tornou uma cafeteria, é possível ver a cidade velha com uma aparência destruída. Mas a maioria dos edifícios dela são tão altos como esse da cafeteria, e evocam a estranha sensação de estar cercado por arranha-céus.
Quase é possível se sentir em Dubai ou Nova York, a diferença é que essas construções têm entre 300 a 500 anos e são feitas de barro.
Alguns desses arranha-céus do Iêmen podem atingir até 30 metros de altura. Os primeiros arranha-céus modernos construídos em Chicago eram apenas alguns metros mais altos do que esses.
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‘Manhattan do deserto’
O Iêmen está cheio de edifícios altos semelhantes a esses. Eles podem ser vistos tanto nas cidades menores como nas maiores, como na famosa cidade de Shibam, que foi apelidada de “a Manhattan do deserto” na década de 1930 pela exploradora anglo-italiana Dame Freya Stark.
Outro exemplo é o palácio Dar-al-Hajar, primorosamente decorado e que também é chamado de “Palácio da Rocha”.
O estilo arquitetônico dos arranha-céus do Iêmen é tão único que as cidades de Zabid, Shibam e a cidade velha de Saná foram reconhecidas como Patrimônio Mundial da Unesco.
A tradição remonta, pelo menos, aos séculos 8 e 9, segundo Trevor Marchand, professor de antropologia social na Escola de Estudos Orientais e Africanos de Londres (SOAS, pelas suas siglas em inglês). Ele estuda sobre o patrimônio arquitetônico do Iêmen e já escreveu livros sobre o tema.
É praticamente impossível saber as datas exatas dessas construções, porque esses edifícios de adobe precisam de reparações ou restaurações constantes para que não desabem.
O palácio de Dar-al-Hajar, no Iêmen
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Ainda em uso
O que faz com que os arranha-céus iemenitas sejam tão únicos é que muitos deles ainda estão em uso, assim como centenas de anos atrás.
Na cidade velha de Saná, por exemplo, alguns se tornaram hotéis ou cafeterias, mas a maioria ainda é usada como residência privada.
“Quando crianças, jogávamos futebol nessas ruas estreitas e, quando adolescentes, bebíamos café atrás das janelas brilhantes”, diz Arwa Mokdad, defensora da paz da Fundação de Alívio e Reconstrução do Iêmen.
Enquanto viajam pelo país, maravilhados com as cidades cheias de arranha-céus, muitos podem se perguntar por que os iemenitas construíram assim, considerando que o país tem vasta extensão de deserto.
Salma Samar Damluji, arquiteta e autora de um livro sobre a arquitetura e reconstrução do Iêmen, explicou que as construções tradicionalmente eram restritas a pequenos locais, forçando a construção vertical.
Segundo ela, havia um muro que separava as vilas e cidades do deserto. Isso era uma forma de impedir o desenvolvimento urbano, segundo a especialista, e qualquer espaço viável para a agricultura era considerado muito valioso para ficar cheio de edifícios.
Por isso, diz a arquiteta, construir para cima, em espaços estreitos, era a opção preferida.
Proteção contra invasores
Havia também a necessidade de proteção, o que fez com que os assentamentos iemenitas se concentrassem em determinados lugares, em vez de se espalharem por todo o território.
Os planejadores urbanos achavam que vivendo em um deserto inóspito, era importante ter a capacidade de olhar a longas distâncias para identificar os inimigos conforme eles se aproximavam e poder fechar os portões da cidade.
“Um fator importante que contribuiu para o desenvolvimento dessas “casas-torre” foi a necessidade de se proteger das forças invasoras, como em tempo de disputas locais ou de guerra civil”, detalha Marchand.
Conhecida como “a Manhattan do deserto”, a cidade murada de Shibam foi declarada Patrimônio da Humanidade em 1982
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Construídos com materiais naturais, os arranha-céus do Iêmen são sustentáveis e perfeitamente adequados ao clima quente e seco do deserto árabe.
Os terraços nas coberturas funcionam como dormitórios ao ar livre, enquanto as telas nas janelas convidam até a mais breve brisa para dentro de casa e permitem a entrada de luz, mas não muito a do calor.
“O adobe é uma massa térmica excepcional”, acrescenta Ronald Rael, professor de arquitetura da Universidade da Califórnia em Berkeley e especialista em edifícios do tipo.
Rael, que mora em uma casa de adobe que pertencia ao seu bisavô, no sul do Colorado, nos Estados Unidos, explica que esse material “absorve e libera calor lentamente”.
“Durante o dia, quando o sol bate na parede, o calor do sol é absorvido lentamente pela parede. À medida que a noite cai, esse calor é liberado lentamente (ajudando) os edifícios de barro a manterem uma temperatura confortável”, diz.
Esse simples efeito natural faz com que a construção em adobe seja popular até os dias atuais e justifica o motivo de as estruturas do Iêmen ainda resistirem.
Uma forma de construção quase extinta
Os responsáveis por essas construções no Iêmen quase não usavam andaimes.
Os mestres de obra começavam com uma base de pedra, normalmente com cerca de 2 metros de profundidade, sobre a qual colocavam tijolos de barro em uma ligação contínua.
Eles então construíam lentamente para cima, colocando vigas de madeira para aumentar a resistência e adicionando pisos de madeira e materiais de palmeira à medida em que subiam.
O andaime só começava a ser usado mais tarde, quando a casa já estava pronta e precisava de uma restauração.
Porém, segundo Damluji, essa forma de construção está perto da extinção.
“Queremos estruturas que possam resistir até 300 anos ou mais. Prédios de seis ou sete andares construídos com tijolos de barro seco ao sol são uma maneira de construção que nenhum arquiteto contemporâneo pode usar hoje”, afirma.
Para evitar que esse conhecimento seja perdido, Damluji trabalha em colaboração com a fundação Dawan, que se esforça para preservar esses métodos de construção fomentando o uso de materiais e métodos tradicionais com elementos modernos.
A existência desses prédios históricos também é ameaçada pela constante erosão do vento, pelas guerras e pelas lutas econômicas que impedem que as famílias cuidem adequadamente dessas construções frágeis.
Em 2020, a Unesco examinou cerca de 8 mil dessas maravilhas arquitetônicas e restaurou 78 que estavam perto do colapso.
A Unesco tem feito o possível para salvar o maior número de edifícios, mas a missão é considerada difícil.
“É uma experiência muito triste presenciar como a história se converte em escombros”, lamenta Mokdad. “Essa destruição é uma perda para toda a humanidade”, acrescenta.
“Em qualquer outro lugar, esses edifícios seriam peças de museu, mas no Iêmen ainda são casas. Não consigo descrever o orgulho de viver em um lugar preservado por gerações de antepassados. São a nossa conexão com o passado”, conclui.

Fonte:

g1 > Turismo e Viagem

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