Economistas explicam que outros fatores têm mais peso no preço. Inclusão do alimento na cesta básica foi uma das principais polêmicas da reforma, que só vai ser totalmente implementada em 2033. Carne bovina
Emerson Vieira/Unplash
O Congresso aprovou nesta semana a primeira parte da regulamentação da reforma tributária e um dos destaques é que as carnes de boi, frango, porcos e bodes e cabras terão alíquota zero dentro da cesta básica nacional.
O texto ainda precisa ser sancionado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que pode vetar trechos da proposta. Lula, no entanto, já tinha se manifestado a favor da inclusão das carnes na cesta básica, ainda que a equipe econômica do governo não concordasse (saiba mais ao fim da reportagem).
📆 Nada muda agora: a reforma tributária só vai ser totalmente implementada em 2033, depois de uma transição gradual que vai começar em 2026.
Até por isso, economistas e tributaristas entrevistados pelo g1 entendem que não dá para afirmar que a carne vai ficar mais barata apenas por ser parte da cesta básica na reforma.
Afinal, o preço da proteína não é decidido só por impostos: também pesam outros fatores, como o dólar, se existe mais ou menos oferta de carne no mercado e também a renda do consumidor. Até os eventos climáticos, como a seca, têm feito o alimento encarecer. Entenda mais abaixo.
Como é hoje
Atualmente, as carnes já são isentas de impostos federais, como o Programa de Integração Social (PIS), a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins) e o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI).
A cobrança do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), que é um tributo estadual, e do Imposto Sobre Serviços (ISS), municipal, pode variar de acordo com a localidade.
Com a reforma tributária, todos esses impostos serão unificados. Para Cristiano Correa, professor de finanças do Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais (Ibmec-SP), o objetivo não é baratear os produtos, mas tornar uma tributação complexa em algo simples.
A tendência geral é que o imposto zerado para carnes se reflita preço final e, consequentemente, beneficie o consumidor, diz Victoria Rypl, da Andersen Ballão Advocacia e especialista em direito tributário.
Mas os empresários não são obrigados a repassar a isenção do imposto porque o tributo é um custo, assim como os materiais comprados para fazer o produto, o transporte, etc, complementa a advogada e professora de direito tributário na FGV-Rio Bianca Xavier.
“Ele pode passar a redução do custo tarifário para o consumidor e diminuir o preço final do produto ou pode manter o preço e aumentar o seu lucro, já que seu custo foi menor”, explica.
Ainda que haja repasse, em localidades onde o imposto é menor atualmente, essa isenção não deverá causar tanto impacto no preço final, avalia Cícero Zanetti, doutor em economia aplicada e pesquisador do FGV Agro.
Rypl entende que pode existir impacto maior no estado de São Paulo, onde a tributação é mais alta.
“Em São Paulo, por exemplo, é cobrado um ICMS de 11% sobre as carnes comercializadas para o consumidor final dentro do estado e 7% para as que saem do estado. Com a reforma e a isenção, provavelmente o seu preço vai diminuir”, diz a tributarista.
Carne mais cara: entenda por que o preço subiu pelo terceiro mês consecutivo
O que mais impacta no preço
Para os entrevistados, o imposto pesa menos do que outros fatores no preço da carne. E é difícil prever os cenários para quando a reforma estará totalmente implementada, em 2033.
A carne vem sofrendo seguidas altas atualmente. Em novembro, o preço subiu pelo terceiro mês consecutivo, acumulando uma inflação de 15,43% nos últimos 12 meses, segundo o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA).
“Hoje, o que faz o preço da carne ter esse preço é uma série de outros fatores”, diz Correa, do Ibmec-SP.
Os principais fatores que levaram ao encarecimento foram uma oferta menor do produto frente a uma demanda maior da população, além das secas e queimadas, que prejudicaram os pastos.
A menor oferta pode ser explicada por dois fatores principais.
💵Efeito dólar
O dólar alto faz com que o mercado externo se torne mais atraente para os produtores, pontua Correa. “É uma matemática muito simples: o exportador vai preferir vender para quem vai pagar mais”.
🐮Ciclo de abates
Existem períodos em que se abate mais ou menos gado. Esse ciclo é formado, basicamente, por duas fases:
alta do ciclo – quando há uma expectativa de aumento nos preços do bezerro, os pecuaristas, em vez de abater as vacas, as mantêm nas fazendas para reprodução, movimento que provoca um aumento nas cotações dos bovinos (boi gordo, bezerro, novilhas, boi magro, vaca gorda, etc.). É o que acontece atualmente;
baixa do ciclo – quando as projeções do preço do bezerro começam a cair, um volume maior de fêmeas é encaminhado para os abates. Isso amplia a quantidade de carne no mercado, gerando uma queda nas cotações dos bovinos.
Apesar de o imposto zerado não significar que a carne vai ficar mais barata do que é hoje, ela pode se tornar mais em conta na comparação com outros produtos no supermercado, explica Zanetti, do FGV Agro.
Isso porque alimentos que estarão fora da cesta básica e da lista de redução de 60% do imposto (caso do camarão, por exemplo) vão ser taxados 26,5%.
Correa, do Ibmec, acredita que, mesmo se a carne ficar um pouco mais barata com a isenção, a elevação dos preços de outros alimentos deve deixar o sistema equilibrado. Assim, o poder de compra do consumidor deve ser manter similar ao que é hoje.
“A pessoa que hoje não consegue comprar uma picanha, muito provavelmente vai continuar não conseguindo comprar”, afirma.
“A grande questão é que, se as carnes não tivessem ficado isentas, se não tivessem entrado na cesta básica, nós poderíamos ter um aumento dos preços”, avalia Fernando Henrique Iglesias, analista da consultoria Safras & Mercado.
Até meados deste ano, a proposta da reforma tributária previa uma alíquota reduzida, de 10,6%, no imposto sobre as carnes. Mas, em julho, a Câmara dos Deputados incluiu a isenção das proteínas.
Segundo cálculos da consultoria, se as carnes fossem tributadas como no projeto original, poderia haver um aumento de 9% a 10% no preço do produto para o consumidor.
O impasse da carne na cesta básica
A carne foi um dos principais pontos de impasse na discussão da reforma pelo Congresso ao longo dos últimos meses.
Inicialmente, o grupo de trabalho que relatou a regulamentação não incluiu a proteína animal na cesta básica. O Ministério da Fazenda era contra a entrada, alegando que isso teria um impacto alto nas contas públicas e na alíquota do imposto unificado.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva, no entanto, defendeu a isenção. “Sou daqueles que vou ficar feliz se eu puder comprar carne sem imposto, prometi na campanha que o povo ia voltar a comer picanha e tomar cerveja”, disse Lula, em julho, pouco antes da votação da proposta.
O PL, maior partido da oposição, pediu que esse item fosse votado separadamente no plenário da Câmara. Diante de uma iminente derrota, o governo cedeu e acatou a inclusão do item na cesta.
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O Congresso aprovou nesta semana a primeira parte da regulamentação da reforma tributária e um dos destaques é que as carnes de boi, frango, porcos e bodes e cabras terão alíquota zero dentro da cesta básica nacional.
O texto ainda precisa ser sancionado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que pode vetar trechos da proposta. Lula, no entanto, já tinha se manifestado a favor da inclusão das carnes na cesta básica, ainda que a equipe econômica do governo não concordasse (saiba mais ao fim da reportagem).
📆 Nada muda agora: a reforma tributária só vai ser totalmente implementada em 2033, depois de uma transição gradual que vai começar em 2026.
Até por isso, economistas e tributaristas entrevistados pelo g1 entendem que não dá para afirmar que a carne vai ficar mais barata apenas por ser parte da cesta básica na reforma.
Afinal, o preço da proteína não é decidido só por impostos: também pesam outros fatores, como o dólar, se existe mais ou menos oferta de carne no mercado e também a renda do consumidor. Até os eventos climáticos, como a seca, têm feito o alimento encarecer. Entenda mais abaixo.
Como é hoje
Atualmente, as carnes já são isentas de impostos federais, como o Programa de Integração Social (PIS), a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins) e o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI).
A cobrança do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), que é um tributo estadual, e do Imposto Sobre Serviços (ISS), municipal, pode variar de acordo com a localidade.
Com a reforma tributária, todos esses impostos serão unificados. Para Cristiano Correa, professor de finanças do Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais (Ibmec-SP), o objetivo não é baratear os produtos, mas tornar uma tributação complexa em algo simples.
A tendência geral é que o imposto zerado para carnes se reflita preço final e, consequentemente, beneficie o consumidor, diz Victoria Rypl, da Andersen Ballão Advocacia e especialista em direito tributário.
Mas os empresários não são obrigados a repassar a isenção do imposto porque o tributo é um custo, assim como os materiais comprados para fazer o produto, o transporte, etc, complementa a advogada e professora de direito tributário na FGV-Rio Bianca Xavier.
“Ele pode passar a redução do custo tarifário para o consumidor e diminuir o preço final do produto ou pode manter o preço e aumentar o seu lucro, já que seu custo foi menor”, explica.
Ainda que haja repasse, em localidades onde o imposto é menor atualmente, essa isenção não deverá causar tanto impacto no preço final, avalia Cícero Zanetti, doutor em economia aplicada e pesquisador do FGV Agro.
Rypl entende que pode existir impacto maior no estado de São Paulo, onde a tributação é mais alta.
“Em São Paulo, por exemplo, é cobrado um ICMS de 11% sobre as carnes comercializadas para o consumidor final dentro do estado e 7% para as que saem do estado. Com a reforma e a isenção, provavelmente o seu preço vai diminuir”, diz a tributarista.
Carne mais cara: entenda por que o preço subiu pelo terceiro mês consecutivo
O que mais impacta no preço
Para os entrevistados, o imposto pesa menos do que outros fatores no preço da carne. E é difícil prever os cenários para quando a reforma estará totalmente implementada, em 2033.
A carne vem sofrendo seguidas altas atualmente. Em novembro, o preço subiu pelo terceiro mês consecutivo, acumulando uma inflação de 15,43% nos últimos 12 meses, segundo o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA).
“Hoje, o que faz o preço da carne ter esse preço é uma série de outros fatores”, diz Correa, do Ibmec-SP.
Os principais fatores que levaram ao encarecimento foram uma oferta menor do produto frente a uma demanda maior da população, além das secas e queimadas, que prejudicaram os pastos.
A menor oferta pode ser explicada por dois fatores principais.
💵Efeito dólar
O dólar alto faz com que o mercado externo se torne mais atraente para os produtores, pontua Correa. “É uma matemática muito simples: o exportador vai preferir vender para quem vai pagar mais”.
🐮Ciclo de abates
Existem períodos em que se abate mais ou menos gado. Esse ciclo é formado, basicamente, por duas fases:
alta do ciclo – quando há uma expectativa de aumento nos preços do bezerro, os pecuaristas, em vez de abater as vacas, as mantêm nas fazendas para reprodução, movimento que provoca um aumento nas cotações dos bovinos (boi gordo, bezerro, novilhas, boi magro, vaca gorda, etc.). É o que acontece atualmente;
baixa do ciclo – quando as projeções do preço do bezerro começam a cair, um volume maior de fêmeas é encaminhado para os abates. Isso amplia a quantidade de carne no mercado, gerando uma queda nas cotações dos bovinos.
Apesar de o imposto zerado não significar que a carne vai ficar mais barata do que é hoje, ela pode se tornar mais em conta na comparação com outros produtos no supermercado, explica Zanetti, do FGV Agro.
Isso porque alimentos que estarão fora da cesta básica e da lista de redução de 60% do imposto (caso do camarão, por exemplo) vão ser taxados 26,5%.
Correa, do Ibmec, acredita que, mesmo se a carne ficar um pouco mais barata com a isenção, a elevação dos preços de outros alimentos deve deixar o sistema equilibrado. Assim, o poder de compra do consumidor deve ser manter similar ao que é hoje.
“A pessoa que hoje não consegue comprar uma picanha, muito provavelmente vai continuar não conseguindo comprar”, afirma.
“A grande questão é que, se as carnes não tivessem ficado isentas, se não tivessem entrado na cesta básica, nós poderíamos ter um aumento dos preços”, avalia Fernando Henrique Iglesias, analista da consultoria Safras & Mercado.
Até meados deste ano, a proposta da reforma tributária previa uma alíquota reduzida, de 10,6%, no imposto sobre as carnes. Mas, em julho, a Câmara dos Deputados incluiu a isenção das proteínas.
Segundo cálculos da consultoria, se as carnes fossem tributadas como no projeto original, poderia haver um aumento de 9% a 10% no preço do produto para o consumidor.
O impasse da carne na cesta básica
A carne foi um dos principais pontos de impasse na discussão da reforma pelo Congresso ao longo dos últimos meses.
Inicialmente, o grupo de trabalho que relatou a regulamentação não incluiu a proteína animal na cesta básica. O Ministério da Fazenda era contra a entrada, alegando que isso teria um impacto alto nas contas públicas e na alíquota do imposto unificado.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva, no entanto, defendeu a isenção. “Sou daqueles que vou ficar feliz se eu puder comprar carne sem imposto, prometi na campanha que o povo ia voltar a comer picanha e tomar cerveja”, disse Lula, em julho, pouco antes da votação da proposta.
O PL, maior partido da oposição, pediu que esse item fosse votado separadamente no plenário da Câmara. Diante de uma iminente derrota, o governo cedeu e acatou a inclusão do item na cesta.
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