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Barras de chocolate menores e menos cacau: fabricantes tentam driblar o encarecimento do fruto

Venda da amêndoa encareceu 110% no último ano por causa de problemas climáticos no continente africano. Especialistas acreditam que preço deve levar até 10 anos para melhorar. Por que o cacau está tão caro?
O cacau está caro, mas, por enquanto, os consumidores de chocolate ainda não estão sendo afetados pelo preço da amêndoa. Os fabricantes do doce estão adotando diversas estratégias para fazer com que esse impacto passe desapercebido.
Em agosto, o preço da amêndoa ficou 110% mais alto na cotação da bolsa de valores de Nova York na comparação com o mesmo mês 2023.
Esse valor é impulsionado pelos problemas climáticos nas lavouras dos maiores produtores do fruto do mundo, localizados na África. O continente representa 70% do fornecimento mundial da amêndoa. É o caso da Costa do Marfim, que sozinha gera 45% do cacau do planeta.
Os produtores dos chocolates industrial e artesanal têm usado estratégias para driblar a alta e não repassar para os consumidores finais. Em junho, o doce ficou quase 4% mais caro na comparação com o mesmo mês no ano passado, aponta o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Segundo economista, agrônomo e entidades do setor, o preço do chocolate não está subindo tanto quanto o do cacau pelos seguintes fatores:
fabricantes de chocolate diminuíram o valor do lucro por produto, para tentar manter o preço do doce controlado, aponta o professor Marcos Silveira Bernardes, da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo (Esalq/USP) e produtor de cacau;
as empresas estão diminuindo o tamanho do doce, para evitar os custos a mais. Com isso, há uma perda no tamanho do chocolate, diz Matheus Dias, economista do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (FGV IBRE);
há um investimento em produtos que dependem menos do cacau, como biscoitos e frutas cobertas de chocolate, explica Bruno Lasevicius, presidente da Associação Bean to Bar Brasil, de produtores de chocolate fino;
a indústria trabalha com estoques de matérias-primas (que podem ser também derivados, como a manteiga de cacau) e não, necessariamente, precisou comprar o fruto mais caro, diz Lasevicius.
O setor de cacau já caminha para o terceiro ano seguido de déficit da produção no mundo, ou seja, o planeta produz menos cacau do que consome, afirma Anna Paula Losi, presidente-executiva da Associação Nacional das Indústrias Processadoras de Cacau (AIPC).
Esse déficit já está em 450 mil toneladas, segundo a Organização Internacional do Cacau (ICCO).
Apesar de o Brasil contribuir com cerca de 4% da produção mundial de cacau, o país não consegue suprir a própria necessidade do fruto. Anualmente, o mercado brasileiro demanda 300 mil toneladas, mas colhe apenas 220 mil toneladas.
Ainda assim, para os pesquisadores entrevistados pelo g1, há potencial para aumentar a produção, uma vez que o país possui o clima ideal e tem espaço para isso.
Para os especialistas, a melhora do setor pode levar até 10 anos, tempo em que um cacaueiro recém-plantado atinge o pico de produção.

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Por que o preço do chocolate não disparou também?
Segundo os entrevistados do g1, isso se deve pelas razões abaixo.
🍫Estoques preenchidos: os alimentos industrializados levam mais tempo para refletir os preços do que os in natura, explica Matheus Dias, do FGV IBRE.
No mercado de chocolate, uma das razões disso é porque o cacau é negociado por contrato de futuros, ou seja, a amêndoa que será comprada daqui a alguns meses é negociada no presente, com preços atuais. Portanto, os estoques da indústria foram pagos no valor antigo do fruto, explica Lasevicius, da Associação Bean to Bar Brasil, que reune produtores artesanais de chocolate, com produção “da semente à barra”.
Além disso, grandes empresas conseguem ter estoques maiores de matérias-primas, como a manteiga de cacau (principal ingrediente do chocolate industrializado). Nesse caso, é possível segurar a compra de novas unidades, afirma.
🍫Barras menores: segundo Dias, as fabricantes diminuem o tamanho das barras para usar menos cacau, mas ainda vendem o produto pelo mesmo preço, controlando assim os custos.
Lasevicius explica que existem empresas que realmente fazem isso, mas não é um processo simples. Para uma mudança de peso, é preciso uma nova forma e uma nova embalagem, o que é caro. A medida é mais adotada por empresas que já trabalhavam com esse tipo de tamanho anteriormente e ainda têm o material, ou pela indústria, que possui mais recursos para fazer isso rapidamente.
O g1 questionou as fabricantes de chocolate se elas têm adotado essa estratégia.
Em resposta, a Mondelez Brasil, dona de marcas como Lacta, Bis e Oreo, disse que “tem desenvolvido alternativas para continuar oferecendo ao consumidor produtos em diferentes formatos, seja para consumo individual, em pequenas porções, até embalagens promocionais e tamanho família”.
A Nestlé afirmou que a “adoção de novos formatos e tamanhos de embalagens pela empresa, quando se faz necessária, tem como objetivo acompanhar as tendências de mercado, garantir a adequação a inovações tecnológicas ou padronizar a gramatura dos produtos das marcas a fim de manter sua competitividade”.
A Cacau Show não respondeu se alterou o tamanho das embalagens.
🍫Lucro menor: o setor também teve uma pequena diminuição no lucro para manter os preços, aponta Bernardes, professor da Esalq/USP.
Para o presidente da Associação Bean to Bar Brasil, isso acontece para evitar a perda de clientes, que não comprariam o produto mais caro.
Em nota, a Cacau Show afirmou que a empresa estudou possibilidades para evitar repassar o aumento total aos consumidores e que teve que aplicar um reajuste de 5% a 7%.
A Mondelez Brasil e a Nestlé não responderam se tiveram uma queda na margem de lucro.
🍫Mix de produtos: o setor vem fortalecendo produtos que levam menos cacau, substituindo a barra, como biscoitos, castanhas e frutas cobertas de chocolate, diz Lasevicius.
Questionada pelo g1, a Associação Brasileira da Indústria de Chocolates, Amendoim e Balas (Abicab) preferiu não comentar as afirmações. Mas disse que, apesar de os problemas na safra e o aumento dos preços impactarem as indústrias, “elas têm fôlego para suportar. Não dá para repassar ao consumidor. Com a nova safra que está chegando, agora, a tendência é o preço cair”.
Cacau na fase de secagem
Rafael Leal / g1
Por que o cacau está tão caro?
A produção Costa do Marfim, a maior do mundo, teve uma queda expressiva no último ano. A colheita foi de 2,12 milhões de toneladas na safra 2022/2023, para 1,8 milhões de toneladas na safra 2023/2024.
Uma das razões desta queda é o El Niño, que gerou uma seca muito forte e chuvas nas épocas erradas, explica Losi.
Contudo, o fenômeno climático sozinho não seria suficiente para causar um estrago desse tamanho. Outro problema colaborou: as árvores na Costa do Marfim e em Gana, segundo maior produtor mundial, são muito velhas.
“E aí essa seca acaba tendo um impacto muito maior nessas lavouras antigas do que em lavouras mais novas, que são mais resistentes a essas questões climáticas. Então a gente está tendo não só perda de fruto, como perda de planta mesmo”, explica a presidente-executiva da Associação Nacional das Indústrias Processadoras de Cacau (AIPC).
Com o envelhecimento das lavouras, há também a maior incidência e vulnerabilidade a doenças. Por exemplo, em Gana, parte da produção foi perdida devido à praga do broto inchado, que já acomete o país há muitos anos, mas teve mais impacto agora.
O cacau é uma cultura perene, o que significa que um mesmo cacaueiro pode dar frutos por muitos anos. Mas Losi destaca que é preciso fazer uma renovação da lavoura a cada 15 ou 20 anos para manter uma boa produtividade.
A razão de os produtores não terem feito essa renovação no continente africano é porque se trata de um alto investimento e, segundo Bernardes, o cacau deixou de remunerar, desestimulando os agricultores do setor.
A escassez de cacau chegou ao ponto de que alguns processadores na Costa do Marfim interromperam os trabalhos, também pelos altos preços, diz o professor.
Além disso, o país segura a amêndoa que consegue obter para ser processada internamente, afirma Losi.
E a lavoura brasileira?
O Brasil é o 7° maior produtor do mundo de cacau; ainda assim, a safra brasileira não atende à demanda do mercado interno.
No passado, o país já chegou a ser autossuficiente, mas, na década de 80, teve as lavouras dizimadas pela doença vassoura-de-bruxa, que deixa os ramos do cacaueiro secos como uma vassoura velha. Até hoje, o setor tenta voltar aos patamares anteriores, explica Losi.
O cacau é uma commodity, ou seja, uma matéria-prima comercializada globalmente. No Brasil, mesmo o preço interno do fruto é determinado pela bolsa de Nova York. Isso porque o país não produz o suficiente para impactar o preço global, explica a presidente-executiva da AIPC.
Além disso, o Brasil não está isento de desafios na sua lavoura. A safra, que era para ter sido colhida em maio, atrasou. E as indústrias receberam 31% menos produto no 1º semestre em relação a 1 ano atrás, diz.
O motivo é parecido ao africano: com o El Niño, a seca e as chuvas na hora errada prejudicaram o desenvolvimento do fruto. Além disso, a lavoura brasileira foi acometida pelas doenças vassoura-de-bruxa e podridão parda, causada por um fungo, que deixa o fruto com um cheiro característico de peixe.
Além da queda na produção, a moagem da amêndoa diminuiu 6% no primeiro trimestre de 2024 na comparação ao mesmo período de 2023.
A importação caiu 56% e exportação, 23% no primeiro trimestre, na comparação com a mesma época em 2023.
Tem previsão de melhora?
A previsão dos especialistas é que vai demorar para o preço do cacau ter uma baixa considerável.
Marcos Silveira Bernardes, da Esalq/USP, aponta que, para o setor se estabilizar, deve levar até 10 anos, período que um cacaueiro demora para entrar no pico de produção, aumentando a oferta no mercado.
“Não vai [baixar o preço do cacau], porque não tem de onde tirar o fruto”, afirma.
Losi concorda com ele: “São problemas que levam um pouco mais tempo para serem resolvidos. Porque a gente precisa fazer uma renovação das áreas produtivas e aí, além de você precisar de investimento para renovar, isso não é feito de um dia para o outro”, afirma.
Para ela, a renovação das áreas deve levar entre 3 e 5 anos, período que o cacaueiro começa a dar frutos, ainda que em um volume menor.
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Fonte:

g1 > Agronegócios

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