Demanda nacional por produtos agropecuários está no centro do problema, diz estudo; saiba mais. Em 2015, a pecuária (carne, couro e laticínios) respondeu por mais de 90% do desmatamento na Amazônia, segundo pesquisa.
Reprodução/TV TEM
Estudo revela que a demanda por produtos agropecuários, especialmente a carne consumida no Centro-Sul, é a principal causa do desflorestamento – superando até mesmo a exportação de commodities. O desmatamento da Amazônia provoca impactos no mundo, como a redução de chuvas em algumas regiões e o aquecimento global. Geralmente, a perda de cobertura vegetal é associada à exportação de commodities. Um estudo mostrou, no entanto, que o consumo no Brasil, principalmente de produtos da agropecuária no Centro-Sul, é o motor da destruição do bioma.
O Centro-Sul compreende os estados do Sul e Sudeste, além de Goiás, Mato Grosso do Sul, DF e fatias do Tocantins e Mato Grosso.
O artigo Economic drivers of deforestation in the Brazilian Legal Amazon (“Pressões econômicas do desmatamento na Amazônia Legal Brasileira”, na tradução livre para o português), publicado no fim de junho na revista Nature Sustainability, relacionou a supressão da floresta ao consumo. A pesquisa mostrou que 83,17% do desmatamento foi provocado por demandas de fora da região, sendo 59,68% do restante do Brasil e 23,49% do exterior.
A Amazônia Legal se estende por nove estados brasileiros: Amazonas, Acre, Amapá, Rondônia, Roraima, Pará, Maranhão, Tocantins e Mato Grosso.
“A principal mensagem do trabalho é que as relações da Amazônia com o restante do país geram um potencial para o desmatamento”, afirma Eduardo Amaral Haddad, professor titular da Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Atuária da Universidade de São Paulo (FEA-USP) e autor principal do estudo.
“Até então grande parte da literatura tinha focado nas relações comerciais com outros países. Mas havia algum indício de que o comércio com o restante do Brasil, principalmente com o Centro-Sul, a parte mais rica do país, pudesse exercer algum tipo de pressão econômica sobre o desmatamento”, explica o professor. Segundo Haddad, essa relação foi quantificada pela primeira vez.
Uma fotografia de 2015
A metodologia da pesquisa foi baseada em uma grande quantidade de dados de oferta e demanda de produtos em diversos setores, que estavam documentados em sua totalidade apenas até 2015. Por isso, Haddad salientou que os resultados são uma espécie de “fotografia de 2015”, embora a estrutura econômica brasileira tenha mudado muito pouco desde então.
Naquele ano, foram desmatados 1,54 milhão de hectares na Amazônia Legal, representando mais de 60% da supressão de florestas no Brasil. A principal causa do desflorestamento na região foi a pecuária (93,4%), seguida pela agricultura (6,4%) e mineração (0,2%).
Com os dados do desmatamento, os pesquisadores tinham a informação de qual setor estava associado à mudança do uso da terra. Determinada área de floresta havia virado pasto, outra fora transformada em cultivo, enquanto algumas passaram a ser usadas pela mineração.
“Só que quando é produzido soja ou gado, tem que ter uma demanda, alguém precisa consumir. Com esta técnica, conseguimos definir a origem da demanda, seja direta ou indireta”, informou o professor da FEA-USP.
Atualmente, a Amazônia Legal atua fornecendo bens e serviços intensivos em uso da terra e de baixo valor agregado para economias nacionais e internacionais, ao mesmo tempo em que compra bens e serviços com maior valor agregado.
Rafael Feltran-Barbieri, economista sênior, pesquisador do World Resources Institute (WRI) e um dos autores do estudo, chamou a atenção para o peso do consumo de carne e seus derivados no resultado para o mercado interno. “A pecuária (carne, couro e laticínios) responde por mais de 90% do desmatamento na Amazônia. E mais de 80% do mercado de bovinos da pecuária da Amazônia é consumida no Brasil.”
Responsabilidade internacional
Embora o mercado interno tenha um peso maior no desmatamento da Amazônia, a responsabilidade internacional é tão importante quanto a nacional. “Primeiro, porque parte significativa dos grandes frigoríficos e varejistas no Brasil tem de 30 a 40% de recurso estrangeiro. Então o fato de o mercado doméstico ter este grande impacto não significa que não exista uma responsabilidade internacional pelo investimento nesses produtos e nesses setores sem preocupação com o que as pessoas do Brasil estão consumindo”, analisou Feltran-Barbieri.
O segundo ponto, continuou o pesquisador, é que o mercado internacional gera uma intensidade maior no desmatamento. “Para cada dólar exportado há mais desmatamento do que cada dólar consumido no Brasil. Porque a Amazônia Legal também interage comercialmente com o Brasil através de outros produtos que não estão relacionados com o desmatamento. Já Europa, Estados Unidos, China e Japão compram puramente commodities, que são mais intensivas em desmatamento.”
O estudo mostra, de acordo com Feltran-Barbieri, que a rastreabilidade dos produtos da região, ou seja, a possibilidade de saber de onde é determinado produto, é muito frágil. E além do impacto no meio ambiente, essa fragilidade tem implicações sanitárias e fiscais.
“Se não tem rastreabilidade da produção que circula no Brasil, você perde a capacidade de ter segurança sanitária, porque na mesma fronteira interestadual em que passa o boi que desmatou pode estar passando o boi que não está sendo tratado de forma correta nos parâmetros do saneamento. E esse mesmo boi pode estar sonegando imposto. Dessa forma o Estado perde a capacidade de angariar impostos”, defende.
Políticas públicas
O resultado do estudo, para o professor Eduardo Amaral Haddad, pode trazer uma consciência para os consumidores brasileiros. “Temos que olhar para dentro também. Somos parte desse complexo problema.” Hoje, no entanto, há pouca possibilidade de saber a origem dos produtos e, principalmente, sua ligação com o desmatamento.
Além disso, a pesquisa pode ajudar a pensar políticas públicas voltadas para diminuir o desmatamento da Amazônia. A reforma tributária, no entanto, cuja regulamentação está sendo discutida no Congresso, tem o potencial de gerar ainda mais pressão sobre o meio ambiente, avaliou Haddad.
Isso porque muitos produtos da agropecuária, como a carne e seus derivados, devem ter isenções de impostos, mesmo que sejam os maiores causadores do desmatamento e os maiores emissores de gases do efeito estufa – e, consequentemente, do aquecimento global.
Autor: Maurício Frighetto
Saiba mais:
O que faz o boi soltar menos gases que levam ao efeito estufa? Conheça as técnicas usadas em Mato Grosso
Pecuarista tem que fazer contas quando deixa a boiada no confinamento
Como a Amazônia se tornou berço do maior rebanho de bois no Brasil
Por que tem tanto boi na Amazônia?
O que o arroto do boi tem a ver com o aquecimento global?
PF, prato do futuro: o rastreamento de bois com chip na Amazônia
Reprodução/TV TEM
Estudo revela que a demanda por produtos agropecuários, especialmente a carne consumida no Centro-Sul, é a principal causa do desflorestamento – superando até mesmo a exportação de commodities. O desmatamento da Amazônia provoca impactos no mundo, como a redução de chuvas em algumas regiões e o aquecimento global. Geralmente, a perda de cobertura vegetal é associada à exportação de commodities. Um estudo mostrou, no entanto, que o consumo no Brasil, principalmente de produtos da agropecuária no Centro-Sul, é o motor da destruição do bioma.
O Centro-Sul compreende os estados do Sul e Sudeste, além de Goiás, Mato Grosso do Sul, DF e fatias do Tocantins e Mato Grosso.
O artigo Economic drivers of deforestation in the Brazilian Legal Amazon (“Pressões econômicas do desmatamento na Amazônia Legal Brasileira”, na tradução livre para o português), publicado no fim de junho na revista Nature Sustainability, relacionou a supressão da floresta ao consumo. A pesquisa mostrou que 83,17% do desmatamento foi provocado por demandas de fora da região, sendo 59,68% do restante do Brasil e 23,49% do exterior.
A Amazônia Legal se estende por nove estados brasileiros: Amazonas, Acre, Amapá, Rondônia, Roraima, Pará, Maranhão, Tocantins e Mato Grosso.
“A principal mensagem do trabalho é que as relações da Amazônia com o restante do país geram um potencial para o desmatamento”, afirma Eduardo Amaral Haddad, professor titular da Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Atuária da Universidade de São Paulo (FEA-USP) e autor principal do estudo.
“Até então grande parte da literatura tinha focado nas relações comerciais com outros países. Mas havia algum indício de que o comércio com o restante do Brasil, principalmente com o Centro-Sul, a parte mais rica do país, pudesse exercer algum tipo de pressão econômica sobre o desmatamento”, explica o professor. Segundo Haddad, essa relação foi quantificada pela primeira vez.
Uma fotografia de 2015
A metodologia da pesquisa foi baseada em uma grande quantidade de dados de oferta e demanda de produtos em diversos setores, que estavam documentados em sua totalidade apenas até 2015. Por isso, Haddad salientou que os resultados são uma espécie de “fotografia de 2015”, embora a estrutura econômica brasileira tenha mudado muito pouco desde então.
Naquele ano, foram desmatados 1,54 milhão de hectares na Amazônia Legal, representando mais de 60% da supressão de florestas no Brasil. A principal causa do desflorestamento na região foi a pecuária (93,4%), seguida pela agricultura (6,4%) e mineração (0,2%).
Com os dados do desmatamento, os pesquisadores tinham a informação de qual setor estava associado à mudança do uso da terra. Determinada área de floresta havia virado pasto, outra fora transformada em cultivo, enquanto algumas passaram a ser usadas pela mineração.
“Só que quando é produzido soja ou gado, tem que ter uma demanda, alguém precisa consumir. Com esta técnica, conseguimos definir a origem da demanda, seja direta ou indireta”, informou o professor da FEA-USP.
Atualmente, a Amazônia Legal atua fornecendo bens e serviços intensivos em uso da terra e de baixo valor agregado para economias nacionais e internacionais, ao mesmo tempo em que compra bens e serviços com maior valor agregado.
Rafael Feltran-Barbieri, economista sênior, pesquisador do World Resources Institute (WRI) e um dos autores do estudo, chamou a atenção para o peso do consumo de carne e seus derivados no resultado para o mercado interno. “A pecuária (carne, couro e laticínios) responde por mais de 90% do desmatamento na Amazônia. E mais de 80% do mercado de bovinos da pecuária da Amazônia é consumida no Brasil.”
Responsabilidade internacional
Embora o mercado interno tenha um peso maior no desmatamento da Amazônia, a responsabilidade internacional é tão importante quanto a nacional. “Primeiro, porque parte significativa dos grandes frigoríficos e varejistas no Brasil tem de 30 a 40% de recurso estrangeiro. Então o fato de o mercado doméstico ter este grande impacto não significa que não exista uma responsabilidade internacional pelo investimento nesses produtos e nesses setores sem preocupação com o que as pessoas do Brasil estão consumindo”, analisou Feltran-Barbieri.
O segundo ponto, continuou o pesquisador, é que o mercado internacional gera uma intensidade maior no desmatamento. “Para cada dólar exportado há mais desmatamento do que cada dólar consumido no Brasil. Porque a Amazônia Legal também interage comercialmente com o Brasil através de outros produtos que não estão relacionados com o desmatamento. Já Europa, Estados Unidos, China e Japão compram puramente commodities, que são mais intensivas em desmatamento.”
O estudo mostra, de acordo com Feltran-Barbieri, que a rastreabilidade dos produtos da região, ou seja, a possibilidade de saber de onde é determinado produto, é muito frágil. E além do impacto no meio ambiente, essa fragilidade tem implicações sanitárias e fiscais.
“Se não tem rastreabilidade da produção que circula no Brasil, você perde a capacidade de ter segurança sanitária, porque na mesma fronteira interestadual em que passa o boi que desmatou pode estar passando o boi que não está sendo tratado de forma correta nos parâmetros do saneamento. E esse mesmo boi pode estar sonegando imposto. Dessa forma o Estado perde a capacidade de angariar impostos”, defende.
Políticas públicas
O resultado do estudo, para o professor Eduardo Amaral Haddad, pode trazer uma consciência para os consumidores brasileiros. “Temos que olhar para dentro também. Somos parte desse complexo problema.” Hoje, no entanto, há pouca possibilidade de saber a origem dos produtos e, principalmente, sua ligação com o desmatamento.
Além disso, a pesquisa pode ajudar a pensar políticas públicas voltadas para diminuir o desmatamento da Amazônia. A reforma tributária, no entanto, cuja regulamentação está sendo discutida no Congresso, tem o potencial de gerar ainda mais pressão sobre o meio ambiente, avaliou Haddad.
Isso porque muitos produtos da agropecuária, como a carne e seus derivados, devem ter isenções de impostos, mesmo que sejam os maiores causadores do desmatamento e os maiores emissores de gases do efeito estufa – e, consequentemente, do aquecimento global.
Autor: Maurício Frighetto
Saiba mais:
O que faz o boi soltar menos gases que levam ao efeito estufa? Conheça as técnicas usadas em Mato Grosso
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Como a Amazônia se tornou berço do maior rebanho de bois no Brasil
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PF, prato do futuro: o rastreamento de bois com chip na Amazônia
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