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Infestação de lagartas destrói pastos e propriedades rurais viram ‘cemitérios’ de bois que morrem de fome em Roraima

Prejuízos com mortes de 7 mil bois e de pasto devastado por lagartas somam R$ 63 milhões, conforme estimativa do governo até esta terça-feira (25). Desequilíbrio ambiental é causado, principalmente, pelo El Niño extremo registrado nos últimos meses. Ao menos 7 mil bois já morreram em Roraima por falta de pasto
Caíque Rodrigues/g1 RR
O verde nos campos das propriedades rurais pode até dar a impressão de que está tudo bem, mas não se engane — o pasto que alimenta o gado está escasso. O resultado é também a morte de mais de 7 mil bovinos que, enfraquecidos, padeceram de fome. Em 10 dos 15 municípios de Roraima, ervas daninhas conhecidas como mata-pasto tomaram conta da vegetação e atraem pragas como lagartas.
A estimativa é que ao menos 50 mil hectares de pasto em 840 propriedades de Roraima tenham sido devastados desde o início de maio, há ao menos 40 dias. O prejuízo, até agora, é de R$ 63 milhões em perdas, entre gado e capim morto, conforme estimativa do governo, mas pode ser ainda maior porque equipes ainda estão em campo avaliando os estragos.
Diante da situação, com um número crescente de gado que morre a cada dia, o governo decretou situação de emergência no estado. A ideia é oferecer apoio financeiro a produtores rurais dos municípios de Amajari, Alto Alegre, Bonfim, Cantá, Caracaraí, Iracema, Mucajaí, Pacaraima, Normandia e Uiramutã, as regiões mais afetadas pelo problema.
Especialistas ouvidos pelo g1 classificam o cenário como desequilíbrio ambiental causado pelo El Niño intenso. Entre os fatores estão:
🍂 Estiagem e seca histórica que Roraima enfrentou nos meses de janeiro, fevereiro e março, que destruiu ou enfraqueceu o pasto;
🐛 Ausência de predadores para cessar a infestação das lagartas logo no início do período chuvoso, em abril.
De acordo com o engenheiro agrônomo e pesquisador da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), Daniel Schurt, são várias espécies de lagarta que estão causando estragos nos pastos, mas as mais preocupantes são a infestação de lagarta-do-cartucho-do-milho (Spodoptera frugiperda) e o curuquerê-dos-capinzais (Mocis latipes).
Schurt explica que a relação entre a infestação e o período de estiagem está na diminuição da população de predadores naturais destes insetos — o que causou um crescimento desenfreado no número de lagartas. Ele explica a relação entre o surto de lagartas e o desequilíbrio ambiental e o fenômeno El Niño:
Esse fenômeno causa um período muito seco, resultando no desequilíbrio da natureza. A seca pode reduzir a população de inimigos naturais das pragas, como sapos, insetos predadores, pássaros e morcegos, e até levar ao surgimento de novos inimigos naturais. Esse desequilíbrio facilita a proliferação rápida e agressiva das lagartas, que causam danos significativos nas pastagens e plantações”
A infestação de lagartas tem impactado também plantações agrícolas de milho, mandioca, feijão, além de hortaliças em propriedades rurais e também comunidades indígenas, como a região de Willimon, no município de Uiramutã. Lá, há registros de roças inteiras devastas por lagartas.
“Estamos tendo prejuízos, mas temos como recuperar sementes tradicionais para estar propagando e distribuindo para as comunidades indígenas [afetadas pelo problema]. Quanto ao prejuízo, à falta de alimentação, não há problema porque as comunidades ainda tem alternativa de aumentar a alimentação natural”, explica o agrônomo do Departamento Ambiental do Conselho Indígena de Roraima, Renan Macuxi.
🔎Contexto: Roraima enfrentou o período seco de outubro até abril. À época, o estado liderou o número de focos de calor do país em 2024, com recorde em fevereiro. Sem chuvas, rios secaram, entre eles o Rio Branco, principal do estado. Houve ocorrências de incêndios florestais que consumiram casas, animais, a vegetação, e espalhou fumaça poluída pelo ar.
Rebanho de mais de 6 mil bois morre por falta de pasto após estiagem em Roraima
Espécie de curuquerê-dos-capinzais (Mocis latipes), lagarta que está infestando os pastos em Roraima
Caíque Rodrigues/g1 RR
Reflexos do desequilíbrio ambiental
O g1 esteve em dois locais que foram severamente afetados pela morte de rebanhos em fazendas por falta de comida: as vilas Samaúma e a Apiaú, município de Mucajaí, no Sul de Roraima. Na região, produtores perderam grande parte do gado. Emocionados, eles relataram o clima de desespero, apreensão e medo.
Mucajaí é o município mais atingido pelo desequilíbrio ambiental da infestação de lagartas e mata-pasto. O governo estima mais de 30 mil hectares de pasto devastados em 506 propriedades, além de 4.833 animais mortos só na região. Iracema aparece em seguida, com 12 mil hectares.
Agricultor Domingos Pereira da Silva, de 57 anos, ajudando bezerro fraco de fome a levantar em meio ao mato que cresce no lugar do capim em Roraima
Caíque Rodrigues/g1 RR
🔎 Para se ter ideia, a cadeia da devastação ocorre desta forma: com o início do período chuvoso, o capim começou a brotar novamente e ganhar vida. No entanto, neste mesmo período, surgiram as lagartas e os percevejos que atacaram os brotos que se tornariam alimento para gado. Com isso, o capim não nasceu – e ainda foi impactado pela ação voraz do mata-pasto.
Foi neste cenário que o pecuarista Joaquim Simão Costa, de 55 anos, se viu obrigado a buscar pasto em outras regiões. Para fugir da fome, ele levou o rebanho a pé para uma fazenda alugada de um amigo na região do Truarú, em Boa Vista, distante quase 113 Km da Sumaúma, onde vive, numa viagem de aproximadamente 10 dias.
‘O gado foi caindo e morrendo de fome’
No trajeto, muitos animais de Joaquim morreram e foram deixados na estrada, outros tiveram a carcaça arrastada pelo caminho. Vídeos mostram ele levando o rebanho pelas ruas para fugir da fome.
Na vila Samaúma, o cenário é de tristeza. Urubus sobrevoam por todas as partes nas ruas e nas estradas. Carcaças de bois e vacas mortos são vistas com facilidade nas margens das vias. As áreas de pastos se tornaram cemitérios dos animais que antes eram o sustento de famílias rurais.
Carcaça de boi em fazenda na Vila Samaúma, no município de Mucajaí, Sul de Roraima
Caíque Rodrigues/g1 RR
Antes da praga da lagarta, Joaquim tinha um rebanho com 1.300 cabeças de gado, mas 150 bois morreram durante o período de um mês, um prejuízo que pode ultrapassar os R$ 500 mil. Por isso, a solução encontrada foi levar o gado para outro pasto distante dali.
No caminho, com o rebanho fraco e com fome, animais morrem e são abandonados . Rastros de sangue de cascos machucados são deixados na estrada. Tudo isso deixa Joaquim emocionado.
Passar pela situação é um “pesadelo” para ele, mas não há outra solução a não ser levar o gado para outro lugar que não esteja infestado por lagarta.
“É muito triste ver essa situação. Estamos enfrentando uma dificuldade enorme, muita tristeza. A situação está muito feia e difícil. Moro aqui há 40 anos. Nunca tivemos um fenômeno tão desesperador. Está muito difícil, nunca tinha visto algo assim. Fomos pegos de surpresa.”
“Em dez dias o gado foi morrendo de fome na estrada, debilitado, caindo e ficando para trás. É uma tristeza imensa, muito difícil”, contou o pecuarista ao g1.
Pecuarista Joaquim Simão Costa, 55 anos, precisou levar a sua criação de gado a pé para outro município por falta de pasto em Roraima
Caíque Rodrigues/g1 RR
Durante o trajeto até o Truarú, os cuidadores do gado precisam enfrentar sol, chuva, vias alagadas, asfalto quente, o que machuca os cascos dos bovinos. Tudo isso tem um efeito desesperador na vida do pecuarista. Ele calcula que só vai conseguir recuperar o prejuízo daqui a 10 anos, isso se redobrar o trabalho com a criação.
“A perda material, em termos financeiros, é grande, mas a maior tristeza é ver os animais caindo, debilitados, com fome. Isso me dói muito o coração. É muito triste ver o animal sem alimento, caindo de fraqueza. É desesperador”.
Lagartas destroem plantação de macaxeira na região das Serras, em Uiramutã
CIR/Divulgação
Joaquim afirma ainda que o prejuízo causado pela praga da lagarta só será sanado com incentivos do governo, porque ele não tem recursos próprios para investir na solução do problema.
“Minha fazenda está toda degradada, só tem mato, e não tem dinheiro para fazer nada agora. A situação está muito difícil. O pasto não serve para alimentar o rebanho. Só tem mato ruim, não presta”, desabafou o produtor rural.
Com o decreto de emergência, o governo também criou o Programa Emergencial de Apoio à Pecuária Familiar, medida que prevê a contratação temporária de pessoas, dispensa de licitação para aquisição de bens e serviços essenciais, além da convocação de voluntários para reforçar as ações de resposta ao desastre.
Para o combate às pragas e recuperação do pasto nas propriedades, o governo, por meio da Agência Desenvolve, anunciou o o repasse de R$ 1.750 aos produtores rurais. O valor será concedido por meio do programa Desenvolve Roraima. O teto máximo que cada produtor deve receber é de 5 hectares, o equivalente R$ 8.750.
Fazendas viram cemitério de bois no município de Mucajaí, Norte de Roraima
Caíque Rodrigues/g1 RR
Em geral, a fase mais crítica da praga é a da lagarta, o que dura de 14 a 22 dias. É neste período de larva que ela “come tudo”, conforme explica o doutor em entomologia agrícola pela Universidade Estadual de São Paulo (Uesp) e pesquisador na Embrapa, Cirano Melville.
“A fase mais crítica, considerada praga, é a fase de lagarta. Especificamente o segundo estágio de desenvolvimento, onde o inseto se alimenta mais intensamente, consumindo 80% de seu alimento total”, explicou ao g1.
De acordo com ele, estes insetos possuem quatro fases: fase do ovo (5 dias), lagarta (14 e 22 dias), pupa ou casulo (10 a 11 dias) e a fase adulta, a mariposa (10 a 12 dias), onde o inseto se reproduz e só se alimenta de néctar de flores.
Curuquerê-dos-capinzais (Mocis latipes) é a fase larval de mariposa e se alimenta de todo tipo de vegetação
Caíque Rodrigues/g1 RR
‘Hoje choro pelos meus animais e pela minha vida’
O agricultor Pedro Vieira, de 75 anos, cria gado há 25 anos na vila Samaúma. De repente, viu seu rebanho de 400 cabeças de vaca que enchiam o curral se reduzir a apenas 7.
Ao todo, 38 vacas da criação de Pedro morreram de fome. O restante, fraco e magro, ele vendeu por um valor abaixo do mercado para não amargar um prejuízo ainda maior. Ela conta que vendeu o rebanho por R$ 3,50, enquanto o preço ideal seria R$ 5 o quilo.
Pecuarista Pedro Vieira, de 73 anos, se emociona ao ver o curral vazio em Roraima
Caíque Rodrigues/g1 RR
Com lágrimas nos olhos, Pedro não conseguiu esconder a emoção em ver o curral completamente vazio e o campo onde costumava ter o alimento para o rebanho coberto por mata-pasto.
“Primeiro foi a seca. Depois veio a lagarta que matou tudo de cabo a rabo. Hoje, se você andar dentro da minha propriedade, não verá um pé de capim. Com isso, fui obrigado a tirar meus animais. Os que não foram vendidos morreram – 38 cabeças de gado morreram de fome aqui.”
“Minhas vacas eram meu lazer, e hoje eu choro ao ver tudo destruído. Muitos amigos também estão chorando ao verem seus currais vazios. Hoje choro pelos meus animais e pela minha vida. Tenho fé em Deus que Ele nos ajudará, porque não é fácil, aos 73 anos, começar tudo de novo. Passei a vida inteira lutando para ter o que tinha, e agora foi tudo destruído”, contou, emocionado, o produtor rural ao g1.
Pedro Vieira, de 73 anos, mostra pasto infestado por erva daninha conhecida como mata-pasto em Roraima
Caíque Rodrigues/g1 RR
As ervas daninhas, como a mata-pasto, são problemas comuns enfrentados no início do período de chuva por não servirem de alimento para o gado — que ignora esse tipo de vegetação. De acordo com Daniel Schurt, o ideal é apostar na “rotação de cultura”.
“A competição entre pastagens e plantas daninhas é desvantajosa para as pastagens, e o gado não consome essas ervas daninhas. Uma alternativa é a rotação de culturas, integrando lavoura e pecuária, e o uso de insumos como calcário e fertilizantes. Também é possível utilizar herbicidas seletivos que eliminam as plantas indesejadas sem afetar a pastagem”, explicou o pesquisador.
Assim como o gado, a lagarta “prefere não comer” essas ervas por conterem substancias que podem ser tóxicas para o desenvolvimento delas. Além disso, o mata-pasto tem a capacidade de se adaptar à adversidades maior do que o pasto plantado.
“Lagartas escolhem as plantas que elas preferem e geralmente comem folhas novas, que são mais macias, como o pasto plantado pelos produtores”, explicou o pesquisador.
Mata-pasto é um tipo de erva daninha que não serve de alimento para bois
Caíque Rodrigues/g1 RR
‘Não consigo dormir pensando no que pode acontecer no dia seguinte’
A situação não é diferente na vila Apiaú, também em Mucajaí. Na vicinal 12, o produtor rural Domingos Pereira da Silva, 57 anos, tem uma propriedade há 26 anos. Hoje, ele vê a sua criação de gado morrer junto com o pasto. Em desespero, não consegue ver maneiras de driblar a situação.
Domingos Pereira da Silva, 57 anos, viu o número de cabeças de gado reduzir drasticamente após a infestação de lagartas em sua fazenda em Roraima
Caíque Rodrigues/g1 RR
Ao todo, Domingos tinha 110 cabeças de gado. Agora, são 43. Mais da metade morreu de fome. O resultado disso é um prejuízo que pode ultrapassar os R$ 300 mil que pode ser visto por toda a propriedade — com carcaças e urubus dividindo espaço com as lagartas na fazenda.
O gado que restou, de acordo com ele, está fraco e com fome: “se cair ou deitar, não levanta mais”.
“Os gastos com medicamentos e ração estão altos, e nem consigo comprar um saco de sal. A lagarta destruiu o capim. Mudamos o gado de piquete [espaço no pasto], mas a lagarta atacou novamente e não tinha mais pasto. Tive que liberar o gado para a mata, onde muitos morreram por falta de comida. O gado era bom, mas com a falta de capim, ficou magro”, conta o produtor com os olhos marejados.
Para ele, a única forma do gado recuperar a força é com o pasto crescendo de volta e com a população de lagartas diminuindo, já que não tem condições financeiras de comprar rações para todo o rebanho.
“O gado é minha principal fonte de renda, pois o que minha esposa recebe é o benefício do governo, como Bolsa Família. Eu trabalho na fazenda do vizinho três vezes por semana, mas o salário de R$ 600 por mês não é suficiente. Perder o gado seria a pior coisa da minha vida”, confessa ao g1.
Emocionado, o produtor rural Domingos Pereira da Silva, de 57 anos, mostra boi que morreu de fome pela perda do pasto com a infestação de lagartas na propriedade em Roraima
Caíque Rodrigues/g1 RR
O produtor mostra, emocionado, um dos seus bois que morreram de fome próximo à casa em que ele mora com a esposa. Com tristeza, não teve condições de tirar a carcaça do animal que morreu há pouco mais de quatro dias.
“É triste, porque é o nosso sustento. Não consigo dormir pensando no que pode acontecer no dia seguinte. Todos os dias, vejo os animais morrerem, alguns caindo em buracos por estarem fracos”.
Capacitação e prevenção
Para Daniel Schurt a solução para problemas como pragas e falta de pasto está na preparação aos desastres ambientais e na prevenção. O pesquisador recomenda que seja ofertado aos produtores capacitações que os preparem para adversidades como secas, cheias e pragas.
“É importante que os agricultores e pecuaristas estejam preparados para essas situações. Recomendamos que se capacitem, busquem informações nos órgãos de pesquisa e extensão, diversifiquem as pastagens, façam rotação de culturas e análises de solo, e conheçam as alternativas de controle, incluindo o uso de inseticidas e o monitoramento constante das pragas”.
Bezerro magro e fraco por não ter o que comer em Roraima
Caíque Rodrigues/g1 RR
“Para um controle eficaz, é crucial agir no início da infestação. Quando a praga está instalada e a população é alta, o controle se torna muito difícil. Portanto, é necessário que o agricultor conheça bem as pragas e sua pastagem, e utilize ferramentas adequadas para minimizar os danos causados pelos insetos”, disse o pesquisador.
Lagarta-do-cartucho-do-milho (Spodoptera frugiperda), estudada por pesquisadores da Embrapa em Roraima
Caíque Rodrigues/g1 RR

Para conseguir o benefício financeiro criado pelo governo, o produtor rural deve ter o diagnóstico do Instituto de Assistência Técnica e Extensão Rural (Iater) que comprove o prejuízo. O estado pode comprar os insumos e fornecer diretamente ao produtor ou ele pode receber o dinheiro e no banco e compra na loja de preferência apresentando o cupom fiscal.
Ervas daninhas crescem e atraem lagartas que matam pasto em Roraima
Caíque Rodrigues/g1 RR
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Fonte:

g1 > Agronegócios

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