Proposta de imposto zero para alimentos básicos gera debate: alguns economistas entendem que ela pode beneficiar os mais ricos. Setor do agronegócio pede mais redução de impostos. Plenário do Senado Federal durante sessão deliberativa ordinária.
Waldemir Barreto/Agência Senado
A reforma tributária, aprovada no Senado e que, agora, retorna para nova votação na Câmara dos Deputados, também esbarra em questões ligadas à produção de alimentos no Brasil. Para o setor de agronegócio, os seguintes pontos do texto atual se destacam:
a definição de uma Cesta Básica Nacional de Alimentos, com imposto zero na venda de produtos que fizerem parte dela;
a criação de uma “cesta estendida”, com outros alimentos que poderiam ter alíquota mais baixa também nas prateleiras;
um regime diferenciado para alguns setores, incluindo o agro, que poderiam pagar apenas 40% da alíquota geral em etapas da produção. O texto atual abre ainda a possibilidade de que, por meio de uma lei complementar, a alíquota possa chegar a zero para determinados segmentos, como o de frutas, ovos e legumes.
Alimentos com imposto zero na venda
A ideia de uma cesta básica nacional recebe críticas do setor e divide economistas. Analistas ouvidos pelo g1 destacam que seria difícil estabelecer um padrão de alimentos essenciais para uma população tão diversa como a brasileira.
Sérgio Vale, pesquisador do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (USP), diz que pode existir haver uma brecha para que muitos produtos tenham a isenção, inclusive aqueles que não precisam, complicando o sistema tributário.
⚠️ Vale lembrar que a definição da lista de produtos não faz parte do texto da reforma que está no Congresso: em caso de aprovação da proposta, os itens das cestas seriam decididos depois, com uma lei complementar.
QUEM VAI SE BENEFICIAR? Os economistas Felippe Serigati, do Centro de Agronegócios da Fundação Getúlio Vargas (FGV Agro) e Antônio Buainain, do Instituto de Economia na Universidade de Campinas (Unicamp), entendem ainda que a isenção para os produtos destas cestas poderia beneficiar os mais ricos.
Isso porque o “desconto” aconteceria no momento da venda (lá no supermercado, por exemplo). Como quem tem mais renda costuma gastar mais, consequentemente usufruiria de mais descontos.
“(É) uma política tributária que acaba favorecendo os que têm melhores condições com o pretexto de beneficiar os mais pobres”, afirma Buainain.
Para eles, um programa social como o “cashback” (devolução em dinheiro), citado na própria reforma, seria uma alternativa mais adequada para compensar quem tem menos renda do que a isenção de imposto na hora da venda.
O diretor do Centro de Políticas Sociais (Social) da FGV, Marcelo Neri, discorda. Para ele, a população de baixa renda seria a mais beneficiada, já que ela é a que dedica a maior parte do seu dinheiro à compra de alimentos, diferente de outras classes, que gastam também com outros itens.
Contudo, o pesquisador-associado Instituto Brasileiro de Economia (Ibre) da FGV Bráulio Borges alerta que tanto os produtores quanto os supermercados não repassaram para o consumidor os descontos em impostos concedidos para itens de alimentação no governo Dilma Rousseff (2011-2016), mantidos nos governos seguintes.
O QUE DIZ O SETOR: O agronegócio concorda com a criação das cestas e prefere essa opção ao “cashback”. Porém, quer que a isenção de impostos para os produtos selecionados aconteça não só na hora da venda, para o consumidor final, mas também nas etapas de distribuição e varejo.
Alimentos naturais (como frutas, carnes e hortaliças) ou de baixo processamento (como queijos, iogurtes e pães) e alguns produtos de higiene e limpeza já são isentos dos impostos federais, como o Programa de Integração Social (PIS), a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins) e o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI).
Cada estado, no entanto, define uma alíquota de Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) para cada uma dessas categorias. Essas alíquotas são zeradas para alguns produtos em alguns estados, mas podem chegar a até 33%, segundo levantamento da Associação Brasileira de Supermercados (Abras).
O que é o ‘cashback’ na reforma
A própria proposta da reforma aprovada no Senado manteve a possibilidade de criação futura, por meio de lei complementar, de um benefício na linha da sugestão dos professores: o “cashback”, que seria uma devolução de parte do imposto pago às famílias de baixa renda.
A ideia, com isso, é reduzir o alto peso dos impostos para essa população. O programa substituiria a isenção de imposto para produtos de uma cesta básica nacional.
De acordo com o secretário do Ministério da Fazenda, Bernard Appy, quem estiver no Cadastro Único de programas sociais do governo, o CadÚnico, poderia ser beneficiado, no futuro, com essa devolução de impostos, embora o modelo ainda não esteja fechado.
No texto aprovado no Senado, consta que a devolução será obrigatória no fornecimento de energia elétrica e de gás de cozinha para essa parcela da população.
Sérgio Vale, da USP, o Brasil já tem experiência em pôr em prática esse tipo de programa social, a partir de outros que o país já oferece, como o Bolsa Família.
Neri, da FGV Social, discorda. Para ele, não haveria motivos para o Brasil criar um sistema de “cashback” para substituir programas que já existem para dar desconto em serviços essenciais, como energia elétrica.
O QUE DIZ O SETOR: a Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) prefere a opção de alíquota zero para cesta básica e se diz “contra taxar qualquer alimento”.
Menos imposto nas etapas de produção
Na versão do texto aprovada no Senado, a reforma tributária prevê um regime diferenciado de cobrança de imposto para alguns setores, incluindo o agronegócio, que poderia pagar apenas 40% da alíquota geral cobrada de todos os segmentos da economia.
No campo, seriam beneficiados:
alimentos destinados ao consumo humano;
produtos agropecuários, pesqueiros, florestais e extrativistas vegetais in natura;
insumos agropecuários e aquícolas;
Além disso, a reforma estabelece uma lei complementar que definiria situações em que poderão ser estabelecidas reduções e até mesmo zerar o imposto. No campo, os beneficiados seriam:
produtos hortícolas, como frutas e ovos;
produtores rurais sob certas condições (não definidas no texto).
O senador Yuri Age, vice-presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), afirma que, sem a redução da alíquota, o agro pagaria ainda mais impostos do que hoje. E que isso é incompatível com o mercado internacional.
Para Buainain, da Unicamp, hoje o setor paga menos imposto do que a indústria e serviços e a reivindicação é uma forma de manter esse cenário.
Para o senador Zequinha Marinho (Podemos-PA), o setor deve visar o pagamento de apenas 30% da alíquota geral, em vez dos 40% previstos no texto atual.
PERDAS E GANHOS – Para Serigati, da FGV-Agro, criar exceções complica o sistema tributário, tornando-o mais aberto para novas disputas relacionadas a isenções, inclusive envolvendo outros setores da economia.
Em contrapartida, o economista acredita que o agro realmente precisa desse benefício. “Pela própria dinâmica do seu processo produtivo. (A lavoura/a criação) é uma ‘commodity’, é uma fábrica a céu aberto. Então, o produtor não tem a menor ideia de qual que vai ser a receita dele”, afirma.
A proposta também prevê a possibilidade de revisar esses benefícios a cada 5 anos. Para Serigati, isso abre para uma brecha para desmontar a reforma aos poucos.
Bráulio Borges, da FGV-Ibre, acredita que, na prática, a opção de zerar o imposto desestimula uma maior formalização dos pequenos e médios produtores.
Por exemplo, na compra de maquinários, eles ganham crédito para debitar do imposto que foi pago pelos seus fornecedores, e que, portanto, seria pago por eles uma segunda vez. Para isso, precisam comprovar essa “duplicidade”.
Com isenção, o produtor não precisaria emitir nota para todas as compras, acredita Borges.
Saiba também: Do arroto do boi ao desmatamento: produção de comida gera 1,8 bilhão de toneladas de gases poluentes no Brasil
O que ficou de fora
Os produtores rurais fizeram uma lista de reivindicações para serem acrescentadas na reforma, mas a maioria dos pontos não foi contemplada no texto aprovado no Senado.
Entre os temas defendidos, os produtores conseguiram a redução de imposto para o setor e também a retirada de uma proposta de taxação de produtos exportados. Este último teria o valor arrecado usado para Fundos Estaduais voltados para infraestrutura.
Ao menos três dos dez estados com maior produção agropecuária do país (Mato Grosso, Goiás e Santa Catarina poderiam criar um imposto com vigência de 20 anos sobre o agronegócio.
Os Fundos Estaduais permanecem no texto, mas sem a criação do imposto de produção para obtenção do valor. Apesar da vitória, o setor do agronegócio queria que o ponto como um todo fosse removido da reforma.
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Waldemir Barreto/Agência Senado
A reforma tributária, aprovada no Senado e que, agora, retorna para nova votação na Câmara dos Deputados, também esbarra em questões ligadas à produção de alimentos no Brasil. Para o setor de agronegócio, os seguintes pontos do texto atual se destacam:
a definição de uma Cesta Básica Nacional de Alimentos, com imposto zero na venda de produtos que fizerem parte dela;
a criação de uma “cesta estendida”, com outros alimentos que poderiam ter alíquota mais baixa também nas prateleiras;
um regime diferenciado para alguns setores, incluindo o agro, que poderiam pagar apenas 40% da alíquota geral em etapas da produção. O texto atual abre ainda a possibilidade de que, por meio de uma lei complementar, a alíquota possa chegar a zero para determinados segmentos, como o de frutas, ovos e legumes.
Alimentos com imposto zero na venda
A ideia de uma cesta básica nacional recebe críticas do setor e divide economistas. Analistas ouvidos pelo g1 destacam que seria difícil estabelecer um padrão de alimentos essenciais para uma população tão diversa como a brasileira.
Sérgio Vale, pesquisador do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (USP), diz que pode existir haver uma brecha para que muitos produtos tenham a isenção, inclusive aqueles que não precisam, complicando o sistema tributário.
⚠️ Vale lembrar que a definição da lista de produtos não faz parte do texto da reforma que está no Congresso: em caso de aprovação da proposta, os itens das cestas seriam decididos depois, com uma lei complementar.
QUEM VAI SE BENEFICIAR? Os economistas Felippe Serigati, do Centro de Agronegócios da Fundação Getúlio Vargas (FGV Agro) e Antônio Buainain, do Instituto de Economia na Universidade de Campinas (Unicamp), entendem ainda que a isenção para os produtos destas cestas poderia beneficiar os mais ricos.
Isso porque o “desconto” aconteceria no momento da venda (lá no supermercado, por exemplo). Como quem tem mais renda costuma gastar mais, consequentemente usufruiria de mais descontos.
“(É) uma política tributária que acaba favorecendo os que têm melhores condições com o pretexto de beneficiar os mais pobres”, afirma Buainain.
Para eles, um programa social como o “cashback” (devolução em dinheiro), citado na própria reforma, seria uma alternativa mais adequada para compensar quem tem menos renda do que a isenção de imposto na hora da venda.
O diretor do Centro de Políticas Sociais (Social) da FGV, Marcelo Neri, discorda. Para ele, a população de baixa renda seria a mais beneficiada, já que ela é a que dedica a maior parte do seu dinheiro à compra de alimentos, diferente de outras classes, que gastam também com outros itens.
Contudo, o pesquisador-associado Instituto Brasileiro de Economia (Ibre) da FGV Bráulio Borges alerta que tanto os produtores quanto os supermercados não repassaram para o consumidor os descontos em impostos concedidos para itens de alimentação no governo Dilma Rousseff (2011-2016), mantidos nos governos seguintes.
O QUE DIZ O SETOR: O agronegócio concorda com a criação das cestas e prefere essa opção ao “cashback”. Porém, quer que a isenção de impostos para os produtos selecionados aconteça não só na hora da venda, para o consumidor final, mas também nas etapas de distribuição e varejo.
Alimentos naturais (como frutas, carnes e hortaliças) ou de baixo processamento (como queijos, iogurtes e pães) e alguns produtos de higiene e limpeza já são isentos dos impostos federais, como o Programa de Integração Social (PIS), a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins) e o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI).
Cada estado, no entanto, define uma alíquota de Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) para cada uma dessas categorias. Essas alíquotas são zeradas para alguns produtos em alguns estados, mas podem chegar a até 33%, segundo levantamento da Associação Brasileira de Supermercados (Abras).
O que é o ‘cashback’ na reforma
A própria proposta da reforma aprovada no Senado manteve a possibilidade de criação futura, por meio de lei complementar, de um benefício na linha da sugestão dos professores: o “cashback”, que seria uma devolução de parte do imposto pago às famílias de baixa renda.
A ideia, com isso, é reduzir o alto peso dos impostos para essa população. O programa substituiria a isenção de imposto para produtos de uma cesta básica nacional.
De acordo com o secretário do Ministério da Fazenda, Bernard Appy, quem estiver no Cadastro Único de programas sociais do governo, o CadÚnico, poderia ser beneficiado, no futuro, com essa devolução de impostos, embora o modelo ainda não esteja fechado.
No texto aprovado no Senado, consta que a devolução será obrigatória no fornecimento de energia elétrica e de gás de cozinha para essa parcela da população.
Sérgio Vale, da USP, o Brasil já tem experiência em pôr em prática esse tipo de programa social, a partir de outros que o país já oferece, como o Bolsa Família.
Neri, da FGV Social, discorda. Para ele, não haveria motivos para o Brasil criar um sistema de “cashback” para substituir programas que já existem para dar desconto em serviços essenciais, como energia elétrica.
O QUE DIZ O SETOR: a Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) prefere a opção de alíquota zero para cesta básica e se diz “contra taxar qualquer alimento”.
Menos imposto nas etapas de produção
Na versão do texto aprovada no Senado, a reforma tributária prevê um regime diferenciado de cobrança de imposto para alguns setores, incluindo o agronegócio, que poderia pagar apenas 40% da alíquota geral cobrada de todos os segmentos da economia.
No campo, seriam beneficiados:
alimentos destinados ao consumo humano;
produtos agropecuários, pesqueiros, florestais e extrativistas vegetais in natura;
insumos agropecuários e aquícolas;
Além disso, a reforma estabelece uma lei complementar que definiria situações em que poderão ser estabelecidas reduções e até mesmo zerar o imposto. No campo, os beneficiados seriam:
produtos hortícolas, como frutas e ovos;
produtores rurais sob certas condições (não definidas no texto).
O senador Yuri Age, vice-presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), afirma que, sem a redução da alíquota, o agro pagaria ainda mais impostos do que hoje. E que isso é incompatível com o mercado internacional.
Para Buainain, da Unicamp, hoje o setor paga menos imposto do que a indústria e serviços e a reivindicação é uma forma de manter esse cenário.
Para o senador Zequinha Marinho (Podemos-PA), o setor deve visar o pagamento de apenas 30% da alíquota geral, em vez dos 40% previstos no texto atual.
PERDAS E GANHOS – Para Serigati, da FGV-Agro, criar exceções complica o sistema tributário, tornando-o mais aberto para novas disputas relacionadas a isenções, inclusive envolvendo outros setores da economia.
Em contrapartida, o economista acredita que o agro realmente precisa desse benefício. “Pela própria dinâmica do seu processo produtivo. (A lavoura/a criação) é uma ‘commodity’, é uma fábrica a céu aberto. Então, o produtor não tem a menor ideia de qual que vai ser a receita dele”, afirma.
A proposta também prevê a possibilidade de revisar esses benefícios a cada 5 anos. Para Serigati, isso abre para uma brecha para desmontar a reforma aos poucos.
Bráulio Borges, da FGV-Ibre, acredita que, na prática, a opção de zerar o imposto desestimula uma maior formalização dos pequenos e médios produtores.
Por exemplo, na compra de maquinários, eles ganham crédito para debitar do imposto que foi pago pelos seus fornecedores, e que, portanto, seria pago por eles uma segunda vez. Para isso, precisam comprovar essa “duplicidade”.
Com isenção, o produtor não precisaria emitir nota para todas as compras, acredita Borges.
Saiba também: Do arroto do boi ao desmatamento: produção de comida gera 1,8 bilhão de toneladas de gases poluentes no Brasil
O que ficou de fora
Os produtores rurais fizeram uma lista de reivindicações para serem acrescentadas na reforma, mas a maioria dos pontos não foi contemplada no texto aprovado no Senado.
Entre os temas defendidos, os produtores conseguiram a redução de imposto para o setor e também a retirada de uma proposta de taxação de produtos exportados. Este último teria o valor arrecado usado para Fundos Estaduais voltados para infraestrutura.
Ao menos três dos dez estados com maior produção agropecuária do país (Mato Grosso, Goiás e Santa Catarina poderiam criar um imposto com vigência de 20 anos sobre o agronegócio.
Os Fundos Estaduais permanecem no texto, mas sem a criação do imposto de produção para obtenção do valor. Apesar da vitória, o setor do agronegócio queria que o ponto como um todo fosse removido da reforma.
Saiba mais sobre a produção de alimentos no Brasil nos VÍDEOS
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De onde vem a tangerina
Cachaça tem cabeça, coração e cauda; saiba qual parte pode ser consumida
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