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A vila canadense que trocou carvão por floresta e hoje atrai ciclistas do mundo inteiro


Cumberland, na ilha de Vancouver, evoluiu de uma cidade de carvão suja para uma ‘meca’ do ciclismo de montanha, graças a moradores engajados. O ciclismo de montanha atraiu pessoas do mundo todo e transformou Cumberland
ALAMY
Era uma rara ensolarada e fresca manhã de novembro, e eu havia acabado de pedalar em ziguezague, na subida de uma montanha, nos arredores da vila de Cumberland, na ilha de Vancouver, oeste do Canadá, recebendo lama atrás de Jeremy Grasby, um ciclista da região.
Paramos para descansar onde a floresta densa deu lugar a mudas recém-plantadas e abraçou a ampla vista: as rígidas paredes das montanhas Beaufort atrás de nós e uma rica cobertura verde apoiada embaixo pelo luminoso Estreito da Georgia.
O povo indígena dos K’ómoks chamava este lugar de “terra da abundância”, e não é difícil entender por quê. Eu poderia ter ficado ali, de pé, o dia todo absorvendo o sol do outono, mas Grasby tinha outros planos.
Ele havia prometido me levar de volta para a vila numa rede de trilhas de mountain bike cheias de curvas, construída e mantida por uma entidade sem fins lucrativos local chamada United Riders of Cumberland (Ciclistas Unidos de Cumberland, ou UROC).
“Cada trilha reflete a personalidade e o estilo de pedalar de quem a construiu”, explicou Grasby enquanto chegávamos ao topo da última colina e nos preparávamos para a primeira descida. “Tem trilhas cruas, duras, como a Roughneck, e leves, que fluem bem, como a Vanilla.”
Estávamos prontos no topo da trilha Blueprint, sinuosa e coberta de raízes, cujo traçado parecia ter sido desenhado por alguém com um lado sádico. Depois de uma breve pausa para tomar água, Grasby partiu, lançando-se de forma destemida pelo meio das árvores. Depois eu o encontrei, gentilmente esperando por mim numa pequena estrada, com um sorriso satisfeito no rosto.
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As florestas em torno de Cumberland estão tomadas de trilhas para bicicletas. Implantadas ao longo dos últimos 20 anos, elas formam uma rede que, se colocadas juntas, somariam mais de 200 quilômetros.
Esse polo de ciclismo de montanha em expansão não passou despercebido. Uma meia-dúzia de corridas anuais de prestígio são agora realizadas em sua malha de caminhos, e em 2020 a rede registrou um número recorde de usuários, apesar da pandemia de Covid-19.
“As trilhas originais foram construídas em terrenos particulares de propriedade de madeireiras”, disse Grasby. “Elas eram toleradas, mas não exatamente legais.”
O arranjo não era sustentável. Para resolver o problema, Grasby e outros ciclistas fundaram a UROC em 2008, com a intenção de obter um entendimento com as madeireiras a respeito da construção de trilhas e do acesso à floresta.
“O ciclismo de montanha sempre atraiu não-conformistas e aqueles com personalidades fortes”, Grasby me disse enquanto voltávamos para o The Riding Fool, um albergue que ele possui na vila desde o início da década de 2000.
“Cumberland não mudou; mas, para garantirmos acesso contínuo às trilhas que construímos, nós tínhamos de nos organizar. Os ciclistas viraram políticos. Construir trilhas é uma coisa, falar em sua defesa é outra.”
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Comprar para proteger
Um acordo formal sobre uso da terra foi assinado entre a UROC e as madeireiras em 2015. Ele marcou um enorme passo para a comunidade e seus ciclistas de montanha, que havia muito tempo já se consideravam guardiões da floresta.
Eles não eram, porém, os únicos defensores do meio ambiente em Cumberland. Localizada entre o vale Comox e as altas montanhas Beaufort, no centro-leste da ilha de Vancouver, essa pequena comunidade, de apenas 4.300 pessoas, há muito se definiu como uma “vila na floresta”.
Em 2000, um grupo de moradores, preocupado que a extensiva extração de madeira ameaçada seu paraíso verde, juntou-se e formou a Cumberland Community Forest Society (Sociedade Comunitária da Floresta de Cumberland, ou CCFS).
Em vez de negociar pelo acesso ao terreno com as madeireiras, a CCFS concluiu que a forma mais eficaz de proteger a floresta da extração de madeira era comprar parte dela.
Era um plano ambicioso, mas em 2005, depois de cinco anos de intensa angariação de fundos, a sociedade acumulou dinheiro suficiente para adquirir uma parcela de 72 hectares de floresta perto da vila, por 1,2 milhão de dólares canadenses (cerca de R$ 5 milhões). Eles imediatamente deram a área de presente para Cumberland, para que se tornasse uma “floresta comunitária”.
Inspirada por seu sucesso inicial, a CCFS seguiu adiante, com novas compras de terras. Em 2016, eles compraram uma área de 40 hectares chamada Space Nugget, e em 2020 adquiriram 91 hectares em torno de um riacho rico em salmões chamado Perseverance Creek.
Hoje, enquanto a indústria de madeira continua a explorar a área, os mais de 200 hectares comprados pela CCFS criaram um protegido anel de biodiversidade em torno da vila que pôde amadurecer naturalmente.
A vila de Cumberland, que já foi uma cidade, trocou o carvão pela proteção da floresta
ALAMY
O surgimento de duas organizações de base complementares em Cumberland, ao mesmo temo, não foi coincidência.
“A vila tinha uma característica anterior de ser corajosa”, explicou Meaghan Cursons, diretora-executiva da CCFS. “O pessoal que foi atraído para a comunidade nos anos 1980 e 1990 tinha o mesmo tipo de característica. Nós não viemos aqui para elitizar, viemos para ampliar. Nós tínhamos o mesmo amor pelo caráter trabalhador, cru, avançado deste lugar.”
Essa coragem vem da história de Cumberland como uma cidade mineradora de carvão. O minério foi descoberto na área pela primeira vez em 1850, mas levou três décadas e o ardiloso industrial escocês Robert Dunsmuir para trazer o ouro negro para a superfície. Em 1898, Cumberland foi registrada como cidade e, durante o quarto de século seguinte, o “rei carvão” reinou.
Em seu auge, em 1910, Cumberland produziu milhões de toneladas de carvão por ano, e a cidade teve uma população de 13 mil pessoas, incluindo a segunda maior Chinatown (comunidade chinesa) na costa oeste da América do Norte.
Porém, tomada por disputas sindicais, a indústria mineradora da ilha de Vancouver era suja e perigosa. Centenas foram mortos em explosões de gás, e em 1912 questões de segurança e a falta de reconhecimento sindical provocaram uma amarga greve de dois anos.
A produção de carvão entrou em declínio depois da Grande Depressão (anos 1930), e na década de 1940 havia se tornado minúscula. Desprovida de força econômica, Cumberland registrou-se novamente como uma vila, e a última mina local foi fechada em 1966.
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Declínio e renascimento
Nos anos 1970 e 1980, a vila arrastou-se, mal conseguindo sobreviver, com o desenvolvimento econômico mudou para mais ao leste, para os centros de Courtenay e Comox, que vinham crescendo.
Corretores imobiliários não davam atenção à vila, e moradores locais eram vistos como caprichosos ou simplesmente esquisitos. Mas o pequeno núcleo de artistas, hippies e ciclistas de Cumberland não estregava os pontos.
“Sentimos que precisávamos provar nosso valor como comunidade, porque havíamos sido tratados como pobres-coitados, localizados no lado errado dos trilhos”, disse Cursons sobre o renascimento de Cumberland no século 21.
“Nós queríamos que as comunidades vizinhas e os visitantes soubessem que nós tínhamos uma história a contar.”
Apesar de a vila ter trocado o carvão pela natureza, ela ainda exalta seu passado industrial. Um museu local, repleto de informações, contém a réplica de um antigo poço de mineração, e vários cartazes expostos pela cidade contam em detalhes a história das antigas operações mineradoras.
O renascimento de Cumberland levou a uma valorização dos imóveis da cidade na última década
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Apesar disso, a grande atração nos dias de hoje é o mountain biking. Converse com um ciclista nesta área, e ele provavelmente vai lhe dizer que a ilha de Vancouver é um dos melhores lugares do mundo para ciclistas.
O segredo está na terra: a consistência do solo úmido no chão da floresta que o torna bom para pedalar.
Desde o histórico acordo para o uso da terra legitimou a rede de trilhas em 2015, Cumberland tornou-se um destino para ciclistas do mundo inteiro. Uma pedalada para fora do caminho principal, e você está voando no meio de uma rica floresta temperada.
As trilhas atraíram cerca de 70 mil usuários em 2020 – e não apenas ciclistas. A rede da UROC coincide com áreas da Floresta Comunitária, e as trilhas são de uso múltiplo. Algumas contêm sinalizações históricas relacionadas ao passado industrial da região. Além de ciclistas, elas atraem naturalistas, grupos escolares, famílias, e caminhantes.
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Integridade sob risco?
A crescente popularidade de Cumberland como um centro de recreação teve impacto na economia local. Apesar de seu pequeno tamanho, a vila agora tem uma pequena cervejaria, várias butiques de roupas, uma loja de chocolates e uma reputação na ilha como lugar com bons shows de música.
Por outro lado, os preços de imóveis quadruplicaram em menos de uma década, e a demografia local, historicamente dominada por trabalhadores, está mudando. Alguns moradores temem uma elitização, enquanto outros sugerem que Cumberland deveria evitar a popularidade e continuar abraçando sua própria esquisitice.
“Como muitas outras comunidades, o ritmo de crescimento de Cumberland superou nossa capacidade de planejar em termos de comunidade”, admitiu Cursons.
“Mas, enquanto crescemos em tamanho e reputação, nós também percebemos que uma comunidade forte precisa da proteção das coisas que nós valorizamos, como nosso patrimônio, a natureza, a água e aquele caráter de pobre coitado corajoso que é a base da nossa identidade coletiva.”
Independentemente disso, durante minha curta estadia em Cumberland, todo morador com quem eu falei professou um profundo carinho pelo lugar. “Eu amo Cumberland porque eu sinto que ainda temos uma oportunidade significativa de formar nossa história coletiva”, disse Cursons, que vive na vila há 26 anos. “Nossas ações, nossos esforços voluntários, nossa criatividade e nossas paixões ainda fazem a diferença na forma como a comunidade está mudando e se desenvolvendo.”
É difícil discordar. Enquanto eu levava de volta a minha bicicleta de aluguel para a loja e entrada em um restaurante de tacos para jantar, eu não pude evitar um sentimento de admiração por esta cidade que virou vila que trocou a mineração de carvão pelo ciclismo de montanha e levantou milhões de dólares para comprar uma floresta.
Isso mostra como pequenas comunidades ainda podem tomar o controle de sua paisagem e que ações voluntárias de base podem substituir uma indústria suja com algo que é mais sustentável e divertido.

Fonte:

g1 > Turismo e Viagem

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