Ter uva o ano todo ou comer castanha de forma segura são alguns dos atos simples do dia a dia gerados por estudo agrícolas. Além disso, a pesquisa ajudou a reduzir o preço da cesta básica, a melhorar produção no semiárido e diminuir impacto ambiental. A pesquisa agropecuária no Brasil contribuiu para que o país conseguisse produzir mais e melhor ao longo dos anos, através, por exemplo, do melhoramento genético de plantas e animais, sistemas de produção mais eficientes e sustentáveis e de controle de pragas e doenças.
O resultado de muitos estudos está até mesmo em simples atos do dia a dia, como poder comer uma uva em qualquer época do ano, graças à expansão da produção do Sul para o Nordeste do país nos últimos anos. Ou desfrutar de uma castanha de forma segura, sem substâncias tóxicas.
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Outras pesquisas também tiveram um impacto significativo na qualidade de vida dos brasileiros: como a redução do preço da cesta básica, a melhoria da produção no semiárido nordestino e a integração da lavoura com a pecuária e a floresta, modelo que gera benefícios ao meio ambiente e aos agricultores.
Para contar essas 5 histórias, o G1 conversou com diversos pesquisadores da Embrapa, que é a maior empresa pública de pesquisa agropecuária do país, e que atua em parceria com outros institutos estaduais. No ano passado, a empresa chegou a sofrer cortes em seu orçamento (saiba mais).
Pesquisa feita no Brasil aumentou produtividade no país
Arte/G1
1. Uva o ano todo
Já imaginou encontrar uva somente uma vez por ano? Parece difícil de pensar, mas esta já foi uma realidade do Brasil até os anos de 1980, quando a fruta só chegava nas prateleiras dos mercados no final do ano, conta o analista de transferência de tecnologia da Embrapa Uva e Vinho, Rodrigo Monteiro.
Naquela época, o cultivo comercial da uva só existia na região Sul do país, que tem uma colheita no ano que vai da metade de dezembro até o mês de março.
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Mas a pesquisa agrícola conseguiu mudar este cenário ao desenvolver novas variedades de uva que se adaptaram bem a outras regiões do país, diversificando os períodos de colheita e expandindo a produção, com destaque para a região do Vale do São Francisco, no semiárido de Pernambuco, onde se colhe uva o ano todo.
Uma nova variedade ou cultivar é uma planta cultivada que, a partir de uma espécie natural, é submetida a um melhoramento genético.
O Polo Vitivinícola do Vale do São Francisco, em plena caatinga é o segundo maior produtor de vinhos, espumantes e sucos naturais de uva no Brasil.
Divulgação
Segundo Monteiro, já foram lançadas 20 cultivares em pouco mais de 40 anos por meio do Programa de Melhoramento Genético Uvas do Brasil, coordenado pela Embrapa.
“Praticamente todas elas estão validadas para cultivo no Brasil inteiro, seja no Sul e Sudeste do país, ou no Nordeste e Centro-Oeste. São uvas voltadas tanto para o processamento de suco e vinho, como uvas de mesa”, diz Monteiro.
As diferentes variedades da uva fazem o Brasil produzir mais e melhor, pois elas são, por exemplo, mais resistentes a pragas e doenças, possuem alta produtividade e podem ter mais qualidade no que diz respeito a sabor, textura, aparência, entre outros.
Mas o papel da pesquisa não para por aí. Não basta ter uma variedade boa no campo se o agricultor não souber usar as técnicas corretas de cultivo. Para solucionar isso, pesquisadores atuam em parceria com produtores no desenvolvimento do melhor manejo para cada variedade. “Cada cultivar vai exigir um sistema de poda diferente, uma determinada adubação”, exemplifica Monteiro.
Principais polos. O volume produzido de uva no país ainda é liderado pelo Rio Grande do Sul (51%), que tem uma cultura mais voltada para a produção de vinho. Já Pernambuco é o segundo maior polo (26,5%), com foco em uvas de mesas. Do Vale do São Francisco, saem 99% das uvas exportadas pelo Brasil.
Além de novas cultivares, a produção de uma fruta típica de clima temperado como a uva teve sucesso no Vale, um local de clima tropical semiárido, porque na região as videiras conseguem encontrar luz, calor e água (por meio de sistemas de irrigação) para se desenvolverem o ano inteiro.
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As videiras também precisam passar por um período chamado de dormência, que é como se fosse uma pausa para elas se recuperarem e conseguirem, mais para a frente, gerarem novos frutos. Isso ocorre sempre durante o frio, época em que as folhas das árvores caem.
Mas, como em Pernambuco não tem inverno, os agricultores induzem a dormência por meio de produtos e redução da irrigação.
2. Castanha segura para consumo humano
Castanha-do-brasil é popularmente conhecida como castanha-do-pará
TV Globo
Desfrutar de uma castanha-do-brasil nem sempre foi um ato seguro. O alimento conhecido popularmente como castanha-do-pará já representou um risco à saúde humana por conter elevados níveis de aflatoxina, uma substância altamente tóxica e que pode provocar câncer, conta a pesquisadora da Embrapa Acre, Cleísa Brasil.
Esse risco existia pelo modo como a castanha era extraída da floresta amazônica. Mas pesquisas da Embrapa feitas a partir dos anos 2000 conseguiram desenvolver práticas de controle higiênico e sanitário que tornaram o alimento seguro para o consumo humano.
A alta contaminação da castanha por aflatoxina se dá pelo contato prolongado do ouriço (fruto da castanheira) com o solo. O ouriço é parecido com uma bola de madeira e dentro dele há de 10 a 12 castanhas. Veja na imagem:
Ouriço cortado mostrando as castanhas
Embrapa/Lúcio Rogério Bastos Cavalcanti
Em dezembro, esses ouriços começam a cair das árvores castanheiras, mas os extrativistas evitam entrar na floresta devido às fortes chuvas nesse período.
“A castanheira é muito alta e o ouriço é muito pesado. Ele chega a pesar um quilo. Entrar [na floresta] no período de chuva corre o risco do ouriço cair na cabeça e pode até matar”, conta Cleísa.
Os extrativistas esperavam, portanto, de 3 a 4 meses para coletar a castanha-do-brasil, quando muitos ouriços já estavam com bastante fungo e contaminando os saudáveis.
Mudança. A partir dos anos 2000, os países importadores de castanha começaram a apertar a fiscalização e a União Europeia interrompeu, em 2003, as compras do Brasil, pois os níveis de aflatoxina contidos no alimento nacional eram superiores aos estabelecidos pela legislação do bloco.
A suspensão das importações europeias mobilizou os pesquisadores do Brasil. “Nós fomos então para dentro da floresta e começamos a coletar a castanha em períodos diferentes, com 10 dias, um mês, dois meses, para ver até que ponto o ouriço poderia ficar no solo. Depois a gente fez a mesma coisa com o processo de armazenamento e assim por diante. Dessa forma, fomos definindo as melhores práticas de produção”, relembra Cleísa.
Uma das recomendações atuais, por exemplo, é que o extrativista entre na floresta já em outubro, antes da queda dos ouriços, para tirar do solo os frutos antigos e não misturá-los com os novos.
Outra orientação é que eles não esperem o final das chuvas para entrar na floresta. O ideal é começar a coleta logo após o fim do pico mais intenso da queda dos frutos.
“No Acre, por exemplo, esse período é na segunda quinzena de janeiro, mas em outras regiões da Amazônia pode ser diferente”, diz Lúcia Wadt, pesquisadora da Embrapa Rondônia.
Recomenda-se ainda que os extrativistas usem capacete, luva, calça, camisa de manga comprida e bota durante a coleta. E que os ouriços sejam quebrados em uma superfície limpa e seca, como lonas e sacos plásticos. Há ainda outras regras para armazenamento, transporte e secagem.
Extrativistas devem usar capacete e luva na coleta e quebrar o ouriço sobre uma superfície limpa
Flávio Forner
Todas essas orientações fazem parte uma instrução normativa do Ministério da Agricultura do Brasil e são reconhecidas pelo Codex Alimentarius, da Organização Mundial da Saúde (OMS) e do Programa Conjunto da Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação (FAO).
Pesquisadores preferem se referir à castanha como castanha-da-amazônia, pois ela é nativa do bioma que está presente ainda em países como o Peru e Bolívia.
3. Redução do custo da cesta básica
Mercado em Vitória, no Espírito Santo
Reprodução/ TV Gazeta
A partir da sua criação, em 1972, a Embrapa também impulsionou pesquisas que contribuíram para reduzir o preço dos alimentos no Brasil, conta o pesquisador da Secretaria de Inteligência e Relações Estratégicas da instituição, Elisio Contini.
De 1975 a 2020, o custo da cesta básica na cidade de São Paulo, por exemplo, teve uma queda de 40,7%, ao passar de R$ 1.065,44 para R$ 631,46, segundo dados do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), compilados pela Embrapa. (Os valores anteriores a julho de 1994 foram atualizados para reais).
E como as pesquisas contribuíram para essa redução? Contini explica que isso ocorreu por meio, por exemplo, do desenvolvimento de variedades mais produtivas e resistentes a pragas e doenças; melhores sistemas de adubação; técnicas de manejo sanitário e nutricional e mecanização das lavouras.
Todo esse conjunto de tecnologias permitiu que os produtores passassem a colher uma quantidade maior de alimentos por hectare, com um custo menor de produção, o que, por sua vez, acabou se refletindo nos preços ao consumidor.
“A pesquisa gerou ainda a eliminação de entressafras. Por muitos anos a gente não conseguia ter cenoura durante o verão, porque só tinha sementes francesas, que são de clima temperado. Então, nós desenvolvemos variedades de cenoura tropicais e eliminou essa variação de preços”.
Arroz em casca antes de passar pelo beneficiamento, ou seja, ser descascado e limpo antes de ser embalado
Paulo Lanzetta/Embrapa
Arroz. O pesquisador da Embrapa Arroz e Feijão, Alcido Elenor Wander, conta, por exemplo, que em 40 anos o Brasil conseguiu aumentar a quantidade colhida de arroz mesmo com uma redução de área plantada, o que colaborou também para a redução de preços.
Durante esses 40 anos, houve uma queda de 60% no preço do arroz na cesta básica, de R$ 37,01 para R$ 14,23, segundo o Dieese.
Uma das contribuições da pesquisa para a redução de preço e aumento de produtividade foi o desenvolvimento de sistemas de irrigação.
“Ao longo dos anos, houve uma diminuição do cultivo de arroz de sequeiro – também conhecido como terras altas – e um aumento da produção em áreas irrigadas, onde o nível de produtividade é muito maior, pois a planta encontra melhores condições para se desenvolver”, diz Wander.
Além disso, novas cultivares passaram a ter um padrão comercial muito mais interessante para o beneficiamento industrial. “Um exemplo é que, dependendo da variedade do grão, a proporção de arroz em casca que vira arroz beneficiado (sem casca) aumenta”, explica.
O Rio Grande do Sul produz 70% do arroz no Brasil e tem um cultivo com sistema irrigado. Outras frentes importantes de pesquisa sobre a cultura são o Instituto Rio Grandense do Arroz (Irga) e a Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural de Santa Catarina (Epagri).
4. Produzir e viver melhor no semiárido
Produção de abacaxi no semiárido baiano
Davi Theodoro Junghans/Embrapa
Por falar em irrigação, tecnologias de captação e armazenamento de água estão, aos poucos, conseguindo melhorar a qualidade de vida de quem vive em regiões de clima semiárido, ao garantir que as produções agrícola e pecuária possam ocorrer mesmo em períodos de estiagem na região.
As localidades de clima semiárido compreendem os estados do estados do Ceará, Rio Grande do Norte, a maior parte da Paraíba e Pernambuco, sudeste do Piauí, oeste de Alagoas e Sergipe, região central da Bahia e norte de Minas Gerais.
Segundo a pesquisadora Diana Signor Deon, da Embrapa Semiárido, em Petrolina (PE) uma das tecnologias é a barragem subterrânea, uma técnica que começou a ser intensificada no Nordeste a partir dos anos de 1980.
“É uma tecnologia onde a gente faz uma barragem que não é na superfície. É um barramento por dentro do solo para que, no momento em que chova, a gente consiga evitar o escoamento da água, a perda dessa água. Ela fica represada dentro do solo”, explica Deon.
“Com as barragens subterrâneas, os agricultores conseguem preservar muito mais tempo a água da chuva para cultivos diversos. Tem produtor que usa para a produção de hortaliças, de frutas, para o consumo da família e também para o cultivo de forrageiras, voltado para garantir a segurança alimentar do rebanho”, conta Deon.
Desenho de uma barragem subterrânea na publicação da Embrapa “Agricultura familiar dependente de chuva no semiárido”, de 2019
Reprodução/Embrapa
Um estudo da Embrapa de 2019 chamado “Agricultura familiar dependente de chuva no semiárido” aponta que, em alguns casos, as barragens pode fazer o solo ficar úmido por até 5 meses após a época de chuvas permitindo, assim, a realização dos plantios mesmo em época de estiagem.
“Nos municípios paraibanos de Remígio e Arara, há exemplos de barragens que funcionam o ano todo, proporcionando que os agricultores plantem frutíferas, forrageiras, hortaliças, plantas medicinais e batata-doce”, diz a publicação.
Por outro lado, a pesquisadora ressalta que nem todo território é apto para a construção de barragens. “Tem que ter uma posição adequada de revelo, um solo com profundidade adequada. Por isso até que, recentemente, nós lançamos o zoneamento de barragens subterrâneas para Alagoas [que consegue mapear os territórios aptos]”, afirma Deon.
Outras tecnologias desenvolvidas pela Embrapa para aproveitamento de água são os sistemas de cisternas, de uso de água de poço, açudes, entre outros.
5. Integração Lavoura-Pecuária-Floresta
Gado em pastagem com integração-Lavoura-Pecuária-Floresta. Fazenda Santa Brígida, Ipameri-GO.
Fabiano Marques Dourado/Embrapa
Talvez o nome Integração Lavoura-Pecuária-Floresta não pareça ter uma relação imediata com a vida de muita gente, especialmente de quem vive em grandes centros urbanos.
Mas a adoção desse modelo tem conseguido aumentar a produtividade das lavouras gerando, ao mesmo tempo, benefícios ao meio ambiente, ao integrar, em um mesmo espaço, diversos tipos de culturas agrícolas e criações de animais, diferentemente do que ocorre na monocultura, explica o pesquisador da Embrapa Solo, Renato Rodrigues.
“Para ser chamada de integração lavoura-pecuária, lavoura-floresta ou lavoura-pecuária-floresta a gente precisa ter um efeito de um componente sobre o outro. Por exemplo, quando a gente planta milho e, na sequência, entra a pecuária. A gente deixa os restos da cultura do milho no campo e o animal acaba se alimentando deles”, diz.
“Ou por exemplo, a sombra da árvore promovendo o bem-estar animal, o que faz com que a produtividade de leite e carne sejam reaproveitadas”, acrescenta Rodrigues, que também é presidente da rede ILPF, uma parceria entre a Embrapa, cinco empresas privadas e uma cooperativa
Segundo o pesquisador, é um modelo que se aproxima do que acontece na natureza. “Dificilmente a gente vê uma cultura sozinha ou somente uma espécie vivendo em um mesmo espaço”.
Ao longo dos mais de 40 anos de pesquisa sobre a ILPF, verificou-se diversos benefícios do modelo para o meio ambiente e produção.
“A ILPF nasceu muito para recuperar pastagens degradadas principalmente do Cerrado, onde a gente tinha pastagens com baixo nível de produtividade e erosão. E a gente começou a verificar que a integração entre a lavoura e a pecuária aumenta, por exemplo, os teores nutricionais do solo, fazendo com que ele fique mais produtivo, além da redução do risco de erosão”, exemplifica Rodrigues.
Esta forma de produção faz parte, inclusive, dos compromissos assumidos pelo Brasil no Acordo de Paris, assinado em 2015, que prevê metas de redução de gases de efeito estufa aos países.
O modelo foi incluído porque a integração de diferentes culturas em um mesmo espaço reduz, por exemplo, o desmatamento de novas áreas para produzir.
Atualmente, o Brasil já possui modelos de ILPF em todos os seus biomas: na Amazônia, no Pantanal, Cerrado, Caatinga, Mata Atlântica e Pampa. E, segundo Rodrigues, o modelo se adapta bem em qualquer tamanho de propriedade.
Brasil tem pesquisa agrícola mais avançada do mundo tropical
Veja reportagem do Globo Rural de 2015 que mostrou os benefícios do eucalipto para a integração lavoura, pecuária e floresta:
Eucalipto oferece muitos benefícios para integração lavoura, pecuária e floresta
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