Acesso ao crédito, conflitos de geração e baixa conectividade no campo desafiam. Setor envolve o trabalho de 10 milhões de pessoas e produz 60% das hortaliças que vão para a mesa do brasileiro. Filhos de agricultores familiares
Arquivo pessoal/Tatiana Gomes de Pontes/Pedro Teobaldo
A agricultura familiar envolve o trabalho de 10 milhões de pessoas no Brasil e é responsável por movimentar R$ 107 bilhões na economia, o que corresponde a 23% da toda a produção agropecuária do país.
O setor é formado por pequenos produtores rurais que, além de plantarem para o seu próprio sustento, levam comida fresca e saudável a outras famílias, pois produzem 60% das hortaliças que vão para as feiras e mercados.
Os dados são do último Censo Agropecuário do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE), referentes ao ano de 2017.
Saiba mais sobre o que é agricultura familiar
Embate de gerações
É comum nesta atividade que a produção agrícola ou pecuária tenha começado com os bisavós, avós e pais dos pequenos agricultores.
No processo de sucessão familiar, a nova geração costuma, geralmente, propor novas ideias para levar mais eficiência à propriedade. Nem sempre a “velha guarda” aceita. Mas, com o tempo, as mudanças vão acontecendo.
No entanto, muitos jovens agricultores do país acabam esbarrando em outros entraves, como a dificuldade do acesso ao crédito e a falta de infraestrutura logística e de conectividade.
Divisão da produção no campo
Arte/G1
Gerações na produção de leite
No município de Mulungu, na Paraíba, a gestora ambiental Tatiana Gomes de Pontes, de 26 anos, tem o objetivo de transformar a produção leiteira da pequena propriedade dos seus pais em uma atividade mais eficiente e rentável.
E uma das formas que ela busca para isso é a implementação de um melhoramento genético do rebanho, com o intuito de ter vacas que produzam uma maior quantidade de leite por dia.
Tatiana com sua irmã, mãe e pai. Família tem vínculo com o campo desde os seus bisavós.
Arquivo pessoal/Tatiana Gomes de Pontes
“Eu já comprei animais para tentar fazer esse melhoramento genético. E, apesar de não estar sempre fisicamente (na propriedade), eu sempre acompanho as visitas dos técnicos, a entrada de receita e despesa. Pesquiso qual é a melhor ração, o preço”, diz Tatiana.
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No sítio da sua família, todo o trabalho de produção de leite é feito pelo seu pai e sua mãe, que produzem ainda queijo e manteiga.
“Quando eu penso em sucessão, eu vejo que muitas coisas vão precisar mudar. Técnicas de manejo, nutrição. Meu pai lida com isso da forma como ele aprendeu com os pais dele, mas que nem sempre é a maneira mais eficiente.
“O conflito de geração no processo de sucessão é uma das maiores dificuldades”, relata Tatiana.
Ela trabalha atualmente no Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar) da Paraíba e, por isso, está sempre visitando outras fazendas. Foi durante essas viagens que ela percebeu que havia possibilidade de dar continuidade à produção leiteira feita por sua família.
“Minha família sempre teve vínculo com o campo, meus avós, bisavós […] Mas eu confesso que antes eu não via a importância e o potencial que tudo isso tinha”, lembra.
“A gente cresce sempre escutando os pais dizerem ‘estude para que você não tenha que ter a vida que eu tive, para não acordar cedo, para não trabalhar tanto’”, conta a gestora ambiental.
A assessora técnica da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), Marina Zimmermann, comenta que essa é uma situação muito comum.
“Os próprios pais acabam incentivando os filhos a saírem do campo, a fazerem uma faculdade que não tem uma relação com o negócio, o que faz com que os filhos, muitas vezes, acabem não voltando”, afirma Marina.
Tatiana Gomes de Pontes, de 26 anos, quer aumentar a produção de leite da pequena propriedade dos seus pais
Arquivo pessoal/Tatiana Gomes de Pontes
A técnica da CNA pondera que, por trás desse cenário, há, muitas vezes, problemas como falta de infraestrutura logística, conectividade, pouco crédito para investir, entre outros.
Segundo Marina, esses entraves ainda existem em alguns pontos do país, mesmo com a forte modernização e o aumento da produtividade da agropecuária brasileira nos últimos anos.
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Falta de crédito
Entre as dificuldades mencionadas por Marina, a que mais atinge o agricultor Pedro Paulo Teobaldo Ribeiro, de 18 anos, é conseguir crédito.
Ele, que trabalha com o pai em uma pequena propriedade na cidade de Acorizal (MT), tentou acionar recentemente o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar Jovem (Pronaf Jovem), mas não conseguiu “por falta de garantias”, segundo o banco que o atendeu.
“Para conseguir financiamento é bem complicado. Se você não tiver um avalista, uma pessoa que te ampara, você não consegue […] Esse foi um dos motivos que fizeram alguns dos meus colegas abandonarem o campo e irem para a cidade. Tem um que trabalha atacadista hoje, é assalariado, ele não teve como manter o sítio”, conta Pedro.
Agricultor de Acorizal (MT), Pedro Paulo Teobaldo Ribeiro, de 18 anos, diz que principal dificuldade é acessar crédito
Arquivo pessoal/o agricultor Pedro Paulo Teobaldo Ribeiro
O Pronaf Jovem é voltado para os agricultores de 16 a 29 anos. E, de acordo com dados do Ministério da Agricultura enviados ao G1, a modalidade corresponde a 13,2% do valor total do Pronaf como um todo, considerando as liberações que foram realizadas entre julho a novembro deste ano.
Somente o grupo dos agricultores com idade de 16 a 19 anos possui uma participação no total do crédito do programa de 0,91%, um valor de cerca de R$ 150 milhões.
Já os jovens de 20 a 29 anos têm uma fatia maior no financiamento rural. Eles respondem por 12% (R$ 2 bilhões) de todo o crédito liberado pelo Pronaf.
Os produtores de 50 a 59 anos, por sua vez, são os que possuem a maior participação no valor liberado (24%).
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Pedro foi atrás de financiamento para comprar gado. Na propriedade, ele e o seu pai já criam animais, mas o jovem agricultor queria iniciar a sua própria produção. No sítio, eles cultivam ainda banana da terra, melancia e melão.
“Meu pai é quem segura as pontas. Ele já conseguiu financiamento. Graças a Deus, hoje a nossa propriedade é sustentável e todo o mês conseguimos pagar todas as contas. Mas precisa de mais dinheiro para eu poder investir em tecnologia, em infraestrutura”, diz Pedro. “Tenho medo de não conseguir continuar”.
Conectividade
Para Pedro, a conectividade é um outro gargalo no campo. “Dois meses atrás, a gente ainda não tinha acesso à internet. Mas meu pai conseguiu montar uma torre para conseguir wi-fi. Mas é assim, cai, oscila, volta”, conta.
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Para o seu negócio, estar conectado facilita a negociação com os mercados e a impressão de notas fiscais, além da qualidade de vida.
Mais de 70% sem internet
Mudança da juventude
A professora do Instituto de Ciências Agrárias da Universidade Federal de Minas Gerais (ICA-UFMG), Flávia Galizoni, pondera que nem toda a família de agricultores familiares tem, hoje em dia, dificuldades para permanecer no campo.
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Ela, que pesquisa as comunidades rurais do Vale do Jequitinhonha, conta que as famílias da região criaram um conjunto de bens e de possibilidades para que os mais novos possam escolher se querem sair ou permanecer no campo.
“Os jovens da região têm todos os acessos que os jovens da cidade possuem e transitam muito entre o rural e o urbano”, relata Flávia.
Os jovens rurais estão ganhando protagonismo, diz professora da UFMG
Senar PB/Divulgação
“A cidade não é necessariamente melhor do que o campo. Depende da cidade, depende do campo e de como ele se modernizou”.
“Nós temos uma impressão muito forte da juventude rural que está muito vinculada ao período da década de 1970, quando um volume imenso da população rural se deslocou para os centros urbanos. Fica, portanto, uma ideia de um êxodo rural muito grande. O que não condiz com o que ocorre atualmente em muitos lugares do país”, acrescenta Flávia.
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Segundo ela, os jovens rurais estão ganhando cada vez mais protagonismo atualmente, e criando mais possibilidade para permanecer no campo.
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