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De onde vem o que eu como: caju pode virar até ‘queijo’, mas não é fruta


Do soneto de Vinicius à ‘Cajuína’ de Caetano, produto inspira artistas, ganha fama tardia no Brasil e gera renda para mais de 190 mil famílias. Caju, o falso fruto 100% brasileiro
CNA/Divulgação
“O único fruto – não fruta – brasileiro”, foi assim que Vinicius de Moraes descreveu em seu “Soneto ao caju”, de 1947, esse produto 100% nacional.
O motivo é que o caju é considerado um falso fruto, mesmo com sua polpa tão apreciada em sucos. Isso porque, tecnicamente, o fruto verdadeiro é a castanha, pois foi ele que nasceu do ovário da flor. A “carne” é chamada de pedúnculo.
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Termos técnicos à parte, vale destacar que a afirmação de Vinicius foi uma licença poética – afinal existem outros falsos frutos nativos do país, como o abacaxi, por exemplo.
O fato é que caju é uma das riquezas do campo brasileiro. Nativo do Nordeste, é fonte de renda para mais de 190 mil pequenos produtores, que, normalmente, são organizados em cooperativas.
A atividade ainda está concentrada nessa região: 90% da produção do caju de Ceará, Piauí e Rio Grande do Norte. Mas o Brasil não é o atual líder mundial na produção, que é maior em países da África e da Ásia.
O falso fruto 100% brasileiro
Arte G1
Castanha em alta
A produção brasileira de castanha de caju prevista para 2020 é de 149,5 mil toneladas, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Se confirmado o resultado, será uma alta de 7,3% em relação a 2019.
O IBGE não possui informações específicas da polpa. No campo das exportações, também não há dados sobre vendas do falso fruto, já que ele é muito perecível e é difícil de ser vendido ao exterior.
A castanha, porém, trouxe US$ 121,2 milhões de receita ao país em 2019. De janeiro a agosto deste ano, o setor movimentou US$ 67,3 milhões.
Criado para o mundo
Embora o caju seja nativo do Brasil, registrado pelos portugueses 50 anos após o descobrimento, hoje Costa do Marfim, Índia e Vietnã são destaques na atividade.
O motivo é que nossos colonizadores levaram o caju para as Índias Orientais – região que hoje seria equivalente ao sudeste asiático e à Índia. Mesmo assim, o Brasil ainda é referência.
“Temos um grande protagonismo na produção, não apenas pela origem do caju, mas também por ser o país onde não se olha apenas a castanha”, explica o pesquisador Vitor Oliveira, presidente do Instituto Caju Brasil (ICB).
Isso porque a castanha é o produto de maior valor e, com isso, muitos países não fazem o aproveitamento da polpa. “Nós usamos 100% do que produzimos, do pedúnculo à castanha”, acrescenta Oliveira.
Fama recente
A amêndoa da castanha de caju é a terceira noz mais consumida do mundo. Inclusive, por muito tempo, não era um produto muito popular no Brasil. A produção daqui sempre foi muito exportada, especialmente para os Estados Unidos.
“Historicamente, a amêndoa de castanha de caju, até a década de 1990, praticamente 100% da castanha que era processada no Brasil era destinada ao mercado externo”, diz Vitor Oliveira, presidente do ICB.
Hoje, do que é processado no país, cerca de 45% é consumido internamente, e o restante é vendido ao exterior. Uma parcela menor é exportada in natura, sem nenhum tratamento.
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O crescimento no consumo é algo recente, segundo Oliveira, tem cerca de 10 anos.
Ele surgiu em um momento em que as pessoas buscavam uma alimentação saudável. A castanha ajuda no combate ao colesterol ruim, por exemplo, e traz outros benefícios à saúde.
“Antes o consumo era de fundo de quintal, muito artesanal. Hoje, vemos a adoção de um estilo de vida mais saudável, e as pessoas começam a ver a castanha como um lanche saudável e tem um preço competitivo se comparada com outras nozes”, explica Oliveira.
E existe espaço para produzir e consumir mais castanha de caju, segundo o vice-presidente da Federação de Agricultura do Ceará (Faec), Rodrigo Diógenes.
No maior estado produtor de caju do país, a colheita, que começou em setembro, está estimada em torno de 80 mil toneladas, mas Diógenes explica que a capacidade de processamento do Ceará é de 120 mil toneladas.
Ou seja, existe espaço para mais produção sem precisar de novos investimentos.
“Os desafios da cajucultura são a falta de mão de obra para a colheita, a falta de assistência técnica e, principalmente, de uma maior divulgação do consumo de caju”, explica Rodrigo Diógenes.
“Existe um público para a castanha, mas existem mais produtos, como aguardentes, sucos e outros produtos vegetais que podem ser consumidos”, acrescenta.
A cajuína cristalina em Teresina
Se Vinicius usou de licença poética para falar que o caju era o único fruto – não fruta – brasileiro, Caetano Veloso acertou em cheio ao cantar sobre a cajuína de Teresina, capital do Piauí.
A história que envolve a canção é triste, inspirada na morte de um amigo do cantor, mas, o fato é que o estado é líder no consumo dessa bebida não alcóolica. Enquanto o Ceará é referência na castanha, o Piauí concentra a maior produção de cajuína.
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Diferente daquele suco de caju cantado por Tim Maia, que é um concentrado da polpa, a cajuína é considerada uma “bebida clarificada”, segundo definição do Ministério da Agricultura.
Após o processamento do falso fruto, os produtores filtram tudo, deixando apenas a “água” do caju.
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Depois disso, o líquido é engarrafado e passa por um processamento térmico, uma espécie de banho maria, onde o suco transparente se transforma em uma bebida de cor alaranjada, que é uma característica comum da cajuína.
É uma bebida que, segundo pesquisadores, tem mais vitamina C do que a laranja. Existem duas versões para a história da cajuína. A primeira é a de que esse produto já era feito pelos índios.
Porém, a mais conhecida é a do farmacêutico Rodolfo Teófilo, que teria criado a bebida no início dos anos 1900 para ser um medicamento, só que o objetivo não foi alcançado, mas, mesmo assim, ganhou gosto do público.
Incomodado com produtos similares no mercado, Teófilo decidiu registrar a marca “cajuína”, nome que deixou a bebida famosa.
O empresário Elves Batista, de Santo Antônio de Lisboa – a capital do caju –, tem a Bem Leve’s, empresa focada na produção de cajuína, além, é claro, de processar a castanha (veja no vídeo abaixo). Ele compra o caju diretamente de cerca de 50 agricultores da cidade
A cidade de Elves é conhecida da cajucultura porque a primeira safra colhida no país vem de lá e porque pelo menos 1 mil produtores vivem da atividade em um município de cerca de 6 mil habitantes.
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Para conseguir fazer a cajuína, o empresário diz que precisa correr com a produção da bebida. O motivo é que o caju é muito perecível, em dois dias a polpa perde boa parte de suas propriedades.
Outra questão é que a corrida é necessária também para padronizar o sabor da bebida.
“No começo da safra, o caju tem um teor de açúcar baixo, fica mais ácida. Quando chega em um período de pico da colheita, o teor é maior e ela fica mais adocicada. Então buscamos padronizar o sabor da cajuína”, explica.
“A ideia é produzir mais em menos tempo e armazenar, mas ainda é um processo muito artesanal, não dá para fazer 10 mil caixas por dia, por exemplo. Eu consigo fazer de 600 a 900 caixas diariamente.”
O empresário aponta ainda algumas dificuldades para o aumento no consumo da cajuína. Uma delas é que, como a produção ainda é muito pequena, fica difícil expandir o comércio desse suco para outros estados e países.
Setor de produção de cajuína se adapta com a pandemia no Piauí
Outro problema causado pela baixa produção é que a bebida sai cara para o consumidor. Enquanto 2 litros de refrigerante custa cerca de R$ 15 em um restaurante, pela garrafa de 500 ml de cajuína paga-se em torno de R$ 10.
“Os processos de produção já evoluíram (para baratear), temos a opção da cajuína em latinha, já que garrafa de vidro era um problema, do ponto de vista de transporte. A latinha está começando a conquistar outros mercado, e o consumidor quer novidade”, explica Vitor Oliveira, presidente do ICB.
Mesmo com as dificuldades, Elves planeja dobrar a produção de cajuína neste ano. Em 2019, foram produzidas 350 mil garrafas e, para 2020, a meta é de 700 mil. Apesar da pandemia ter criado dificuldades para seu negócio, o empresário está otimista.
“O mercado está para todo mundo. Infelizmente ainda é difícil entrar nas grandes lojas, mas a gente tem conseguido ter um retorno muito positivo. Mesmo com a pandemia estabilizamos nosso faturamento”, conta Elves.
O ‘queijo’ de caju
“Além da cajuína, existe um leque muito grande de coprodutos do falso fruto, que movimento pequenos e médios empreendimentos. Tem o uso da fibra em carnes vegetais, produtos voltados ao veganismo e intolerantes à lactose”, explica Vitor Oliveira.
E entre esse “leque” está um produto criado por dois pequenos empresários do Ceará, que desenvolveram uma espécie de “queijo” feito com o falso fruto, é o caju cremoso.
Os cozinheiros Fernanda Moreira Soares, de 29 anos, e Augusto Lima, de 27 anos, são proprietários da Qaju, que é um negócio iniciado neste ano, após Fernanda ter feito uma para a conclusão do curso de gastronomia.
“A empresa surgiu assim que eu terminei a faculdade, a pesquisa mostrou que o caju tinha tantas potencialidades que eu não queria parar de pesquisar”, conta.
O produto, que não é apenas focado no público vegano, tem textura parecida com a de um cream cheese. A composição dele é castanha de caju e água, o processo de fermentação é que torna o alimento cremoso.
Caju cremoso tem a textura parecida com a de um cream cheese
Qaju/Divulgação
A empresa começou as vendas do produto em março deste ano, porém a pandemia fez com que os negócios fossem paralisados. Em julho, a dupla retomou as atividades e estão satisfeitos com o retorno do público, tanto que o próximo passo é oferecer outros produtos.
“Queremos trazer texturas diferentes, parecidas com a dos queijos sólidos, também pensamos em oferecer iogurtes. Os produtos que a gente desenvolve tem uma demanda do mercado, seja para veganos ou intolerantes à lactose”, explica Fernanda.
Cooperativa de produtores de caju onde Fernanda compra as castanhas para fabricação do caju cremoso
Qaju/Divulgação
A empresa compra as castanhas de produtores do município cearense de Ocará. Para tornar o negócio mais rentável, a empresa utiliza das amêndoas quebradas, que tem pouco valor comercial para as indústrias e acaba sendo uma forma de agregar valor ao alimento.
A novidade tem chegado a consumidores de diversos estados do país, além do Nordeste. Como a empresa ainda está crescendo a entrega dos produtos nem sempre é tão simples.
Fernanda e Augusto, proprietários da Qaju
Divulgação
“Vai se ajustando, tivemos um pedido do interior do Ceará, que a gente congelou e entregou para amigos que estavam em Fortaleza”, conta.
“A gente também percebe a procura de restaurantes pelo caju cremoso, tanto que vamos lançar uma embalagem para esse segmento”, projeta Fernanda.
Estimular o consumo
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Para empresários e especialistas, o caju precisa sair de uma produção quase que artesanal para se tornar um setor mais comercial, visando maior consumo e exportação da castanha, da polpa e de seus subprodutos.
“Se você olhar o Brasil, nós temos uma enorme vantagem competitiva, estamos perto dos Estados Unidos, que são um dos maiores consumidores mundiais de castanha de caju”, explica Vitor Oliveira, do ICB.
Caju é fonte de renda para mais de 190 mil produtores
Além disso, aponta Rodrigo Diógenes, vice-presidente da Faec, que são necessárias políticas públicas para o setor.
“O desafio é aumentar a produtividade, com mais sustentabilidade e conseguindo aproveitar mais o caju, evitar o desperdício. A produtividade ainda é baixa porque o produtor não tem tecnologia, assistência e crédito”, resume Rodrigo Diógenes.
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Fonte:

G1 > AGRO

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